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Procurador Edno Moura explica projeto que regulamenta a terceirização

A redação final do projeto de lei que autoriza o trabalho terceirizado de forma irrestrita para qualquer tipo de atividade foi aprovado na quarta-feira (22).

A Câmara dos Deputados aprovou, na última quarta-feira (22), a redação final do projeto de lei que autoriza o trabalho terceirizado de forma irrestrita para qualquer tipo de atividade. A proposta também amplia a permissão para contratação de trabalhadores temporários, dos atuais três meses para até nove meses - seis meses, renováveis por mais três. Agora o projeto vai para a sanção ou não do presidente Michel Temer.

O GP1 entrevistou o procurador do Trabalho, Edno de Carvalho Moura, sobre as consequências da aprovação do projeto e ele contou um pouco da história da proposta.

“A primeira proposta de terceirização foi do Executivo Federal, ela foi encaminhada pelo governador Fernando Henrique Cardoso em 1998. Ela tramitou na Câmara até o ano de 2000, foi aprovada e encaminhada ao Senado em 2002, onde também foi aprovada praticamente sem discussão. Em 2002 ela retornou à Câmara, como Casa iniciadora porque houve algumas alterações no Senado. Em 2003 começou um novo governo, o Governo Lula, e ele mandou uma mensagem pedindo a retirada desse projeto, não foi aceita a mensagem, mas o projeto passou a tramitar de uma forma bastante lenta. Durante todo esse período, e em 2003, surgiu outro projeto de terceirização na Câmara, que foi aprovado no ano de 2015, pela Câmara dos Deputados, quando estava sendo presidida por Eduardo Cunha. Encaminharam o projeto ao senado e o senado abriu o processo de discussão, mas o Governo Federal achou melhor retomar esse outro projeto que estava na Câmara dos Deputados, porque este só precisava de uma análise da Câmara e depois ia direto para a sanção, não precisaria mais regressar, ou seja, seria muito mais fácil. E, finalmente, ele foi aprovado agora. Esse projeto que está no Senado, embora também libere a terceirização na atividade finalística, assegura mais garantia para os trabalhadores do que esse que foi aprovado recentemente. Esse, sob todos os aspectos, é terrível para os trabalhadores terceirizados. Essa proposta [que está no Senado] ainda tramita e pelo que se sabe vão colocar essa proposta em votação agora, porque o objetivo deles é fazer com que o presidente tenha a opção de examinar os dois projetos e faça vetos seletivos em um e outro”, declarou.

  • Foto: Thais Guimarães/GP1Procurador Edno MouraProcurador Edno Moura

Segundo o procurador, o projeto não acaba com o concurso público. “A administração publica é formada por administração direta e indireta. A administração direta é o que chamamos de prefeitura, governo, e a indireta são as autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mistas. As empresas públicas e sociedades de economia mista são submetidas ao regime da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), enquanto as autarquias e fundações são submetidas ao estatuto dos servidores públicos, há essa distinção clara”, afirmou.

“Na administração publica nós já temos hoje a ampla terceirização, mesmo sem a regulamentação, só que com regras definidas pelo TST, ela vai continuar, mas não vai impedir os concursos públicos, porque as atividades essenciais, finalísticas do Estado, continuam resguardadas. A maior preocupação é em relação às pessoas jurídicas e privadas que integram a administração pública. No Piauí, para se ter uma ideia, exemplos de sociedade de economia mista, são a Agespisa, o Banco do Brasil e Caixa. Com a possibilidade de terceirização irrestrita nas atividades-fim e meio é possível que nestas empresas não haja mais concursos, e nós estamos estudando meios de frear isso, mas do jeito que foi aprovada, em um exame superficial, ela permite que essas empresas também contratem para atividades finalísticas, o que impediria concursos do Banco do Brasil, da Caixa Econômica, Agespisa e é possível que haja um aumento na terceirização esses setores”, explicou.

Piso salarial

Sobre o piso salarial, o procurador Edno Moura garantiu que ele “está assegurado na lei e tem que ser observado pelas empresas terceirizadas. A tendência é que esses grupos não terão como fazer uma convenção para a fixação de um piso que seja mais razoável, a tendência é que diminuam os pisos porque, por exemplo, quando uma empresa jornalística passa a contratar uma empresa terceirizada, embora continuem filiados ao sindicato dos jornalistas, eles não vão mais fazer a negociação com esta empresa, com o sindicato das empresas de jornalismo, você será um terceirizado e terá que negociar com as empresas que estão efetivamente lhe contratando, vai dar um problema, uma pulverização, principalmente, porque na lei não há necessidade de especialização, então é possível que uma empresa terceirizada forneça um serviço, forneça jornalistas, zeladores, vigilantes”, completou.

Sindicatos

Para o procurador, o projeto enfraquece sindicatos “porque vai pulverizar”. “Os funcionários estão ali frequentemente, trabalham no dia a dia e tem como se unir mais, agora não, você vai ter empresas terceirizadas, por exemplo, ela fornece um jornalista, e pode tirar ele de um lugar e colocar em outro, haverá uma rotatividade nas empresas, e isso impede que se fortaleça a união e comunhão dos trabalhadores para que possam lutar pelos seus direitos”, declarou.

Responsabilização subsidiária e solidária

“A responsabilização subsidiária é muito ruim, foi uma opção que o Tribunal Superior do Trabalho fez quando regulamentou, porque por decisão judicial deu os parâmetros para a terceirização no Brasil, já que ela chegou aqui sem qualquer tipo de controle. O que o TST fez foi definir alguns parâmetros e quando definiu, infelizmente, optou pela responsabilidade subsidiária que também foi aprovada por esse projeto”, criticou.  Para o procurador, “o projeto que está no Senado tem uma vantagem enorme em relação a esse e até a própria decisão do TST: a responsabilização solidária, que minoraria muito os problemas que vamos enfrentar com essa legislação”.

Moura explicou a diferença: “A diferença básica da responsabilização solidária é que, em caso de descumprimento de leis trabalhistas, eu posso acionar tanto a tomadora como a terceirizada, eu não precisaria me preocupar porque ela também estaria obrigada a fazer o pagamento se a outra não fizesse. A subsidiária não, eu tenho que esgotar o patrimônio dessa contratada e só se ela efetivamente não tiver e não conseguir depois dos tramites judiciais, que são longos, é que eu vou acionar a tomadora”, esclareceu.

  • Foto: Thais Guimarães/GP1Procurador Edno Moura critica projeto de terceirizaçãoProcurador Edno Moura critica projeto de terceirização

“A título de exemplo, na empresa jornalística, se ela resolve demitir todos os seus empregados e contratar uma empresa terceirizada para fornecer jornalistas, se a responsabilidade for solidária e essa empresa encerra o contrato, rescinde com a empresa jornalística, e não paga as verbas rescisórias, na responsabilidade solidária eu posso acionar diretamente essa empresa, e esquecer essa aqui que eu sei que não vai ter condições de pagar, ela continua responsabilizada, então seria um avanço enorme para minorar os efeitos. No projeto que está no Senado a responsabilidade é solidária, no projeto que foi aprovado agora a responsabilidade é subsidiária, então vai continuar a insegurança dos trabalhadores”, exemplificou.

“Quarteirização”

“Tanto nesse projeto como no outro você permite o absurdo que é a terceirizada terceirizar as suas atividades e assim sucessivamente, você já está terceirizando pra alguém e você ainda pode terceirizar parte dessas atividades, veja que absurdo, então pode existir a quarteirização, quinteirização”, censurou.

Redução X aumento de desempregos

De acordo com o procurador, a terceirização não vai causar nenhum aumento de desemprego e também nenhuma diminuição no numero de desempregados.

“É possível que no Brasil, com a quantidade absurda de desempregados que nós temos hoje, com um avanço na economia e melhora nos indicadores econômicos, que essa taxa possa ser reduzida naturalmente, e que isso depois pode ser atribuída até a terceirização, equivocadamente. Mas, a terceirização não tem condição de reduzir o numero de desempregados porque o que vai ocorrer é o aumento da terceirização e uma diminuição dos contratos diretos, então a empresa vai deixar de contratar diretamente para contratar terceirizada. Você vai ter um aumento no numero de terceirizados com a diminuição no numero de contratos diretos o que vai acabar ficando na mesma”, explanou.

O Procurador fez ainda uma comparação com o México e a Espanha: “ O México foi uma situação um pouco parecida com o Brasil, quando a terceirização chegou lá não havia um poder judiciário pra fazer alguma regulamentação, então a terceirização já chegou na atividade-fim e em todas as atividades da empresa sem regulamentação nenhuma, sem lei, sem nada, houve que as empresas começaram a contratar todos os seus empregados por intermédio de terceirizadas, então tinha banco lá que não tinha um empregado sequer por conta disso e, em 2012, eles resolveram regulamentar para ver se tentava melhorar, só que a regulamentação foi pra manter a terceirização em todas as atividades, mas eles disseram que não era possível que ficasse também sem empregados, então era necessário que as empresas tivessem empregados, só que não definiram um percentual de empregados no comparativo com terceirizados, deixou livre. Só que então ficou assim ‘se eu tiver, dois, três, quatro, cinco empregados eu já estou cumprido a lei, já posso contratar o resto tudo terceirizado’, o que equivale na prática a não ter empregados. Não houve uma melhora no desemprego, no México, mas houve aumento na quantidade de terceirizados, e o numero de desempregados continuou muito alto, na Espanha também, ela não conseguiu reduzir o seu numero de desempregados, mas conseguiu aumentar muito a insegurança por conta da terceirização e contrato temporário que é outro problema desse projeto, que foi aprovado e que está sendo pouco tocado”, comparou

Contrato temporário

“O contrato temporário também é muito ruim porque ele praticamente aniquila os direitos desses temporários e ele permite uma contratação temporária bem ampla, ou seja, ele contrata temporários por seis meses prorrogável por mais 3 meses, e depois de 3 meses eu já posso contratá-lo de novo. Veja bem, se eu tenho 12 meses no ano e eu posso ficar com o cara 9 meses naquele período de maior pico, eu vou preferir contratar temporário porque eu contrato temporário por 9 meses, espero aqueles 3 meses de mais calmaria e depois contrato temporário de novo e continua nessa cadeia inesgotável de violação dos direitos trabalhistas com essa questão da contratação temporária”, analisou.

O procurador Edno Moura também explicou os prejuízos da contratação temporária: “A contratação temporária hoje é de no máximo 3 meses prevista na legislação, é para aquelas situações bem esporádicas em que você tem uma licença de um empregado, você tem umas férias do empregado e não é razoável que você contrate outro com os encargos que você vai ter que pagar só para substituir aquele empregado, que está saindo temporariamente naquele prazo curto, então para isso a lei permitia que você contratasse uma empresa de trabalho temporário que te fornecia um empregado para que ficasse tirando as férias de um empregado, licença-maternidade, hoje não, você permite agora nove meses, não é mais para substituiu ninguém, que licença hoje você tem 9 meses? Que férias hoje dá 9 meses? Então, não é mais para aquela situação esporádica de ausência de empregado é mais pra suprir necessidade mesmo permanente da empresa, mas que você está dando a possibilidade de contratação no prazo determinado, porque é bom a gente fazer diferença entre contrato temporário e contrato com prazo determinado, que é uma empresa de contrato temporário que fornece empregado pra você por um determinado período, que antes era de 3 meses e agora passou para até 9 meses”, alegou.

  • Foto: Lucas Dias/GP1Ministério Público do TrabalhoMinistério Público do Trabalho

Dificuldades na fiscalização

Questionado se o novo projeto vai dificultar a fiscalização de órgão como o Ministério Público do Trabalho, o procurador foi enfático ao afirmar que sim: “Dificulta sobremaneira porque, hoje, o que é que nós temos na contratação direta, a fiscalização vai na empresa e tem todas as condições para fazer uma fiscalização adequada e agora não, você vai ter uma empresa que vai colocar pessoas em várias outras empresas e você não vai ter um local para fazer a fiscalização, colher os documentos porque todos os documentos essenciais para a fiscalização têm que ficar na empresa e o local onde os trabalhadores estão não é mais o local onde vão ficar esses documentos. E a dificuldade da fiscalização para ouvir esses empregados em vários estabelecimentos, ao mesmo tempo em que os documentos que tem que fiscalizar não vão estar nos estabelecimentos onde os empregados estão, é que vai dar uma possibilidade muito grande para fraude”, reprovou.

Por fim, o procurador afirmou que o projeto “vai aumentar a insegurança no trabalho e vai diminuir a renda do trabalhador, além de afetar a própria utilidade do empregado como uma pessoa que se sente útil pra aquela empresa, hoje não, o terceirizado é descartável, não vai ter a ligação do empregado com o trabalho que ele faz, vai ocorrer uma alienação total”, finalizou.

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