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Colunista Jacinto Teles
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Ministro Luiz Fux atenta contra Constituição e viola decisão do próprio STF


Na noite dessa sexta-feira (28/9), o ministro Luiz Fux, supostamente no exercício da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), proferiu decisão de caráter precário (liminar) vedando o jornalista Florestan Fernandes Júnior e o jornal Folha de São Paulo que façam ou divulguem entrevistas com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

  • Foto: Fátima Meira/Futura Press/Estadão ConteúdoLuiz FuxLuiz Fux que ignorou garantia constitucional

A liminar de Fux contrariou decisão do ministro Ricardo Lewandowski, proferida em sede de Reclamação por descumprimento de entendimento do STF exarado na ADPF 130-DF, em que garante a livre liberdade de expressão por ser dever constitucional.

Lewandowski havia atendido ao pedido dos reclamantes para que Lula, reconhecidamente o maior líder popular deste País, pudesse conceder entrevista desde que foi recolhido à Superintendência da Polícia Federal em Curitiba no Paraná, para cumprir decisão de clausura absoluta oriunda do juiz federal Sérgio Moro, confirmada pelo TRF da 4ª Região.

  • Foto: Dida Sampaio/Estadão ConteúdoLewandowskiLewandowski

A juíza da 12ª Vara Federal de Curitiba negou o pedido, relatou e alegou em síntese que: Florestan Júnior havia requerido à juíza da 12ª Vara Federal de Curitiba, autorização para ter acesso a Lula, com o fim de entrevistá-lo, sobre o contexto e as razões de sua prisão, bem como sobre a situação política, social e econômica do país, especialmente no contexto atual da disputa democrática eleitoral à Presidência da República, ao Senado Federal, à Câmara dos Deputados e às assembleias legislativas estaduais.

O contato do preso com o mundo exterior não é total e absoluto, como não é seu direito à liberdade de manifestação, seja quanto aos meios de expressão, seja quanto ao seu conteúdo. Cite-se, exemplificativamente, a vedação legal expressa à utilização de meios eletrônicos de comunicação (art. 50, VII, LEP). […]

A situação fica bastante clara ao se notar, por exemplo, a evidente inviabilidade, por questões de segurança pública e de administração penitenciária, de universalização aos demais detentos da possibilidade de comunicação com o mundo exterior mediante acesso de veículos de comunicação para reiteradas sabatinas ou entrevistas [...].

  • Foto: Daniel Teixeira/Estadão ConteúdoEx-presidente LulaEx-presidente Lula

O jornalista Florestan Fernandes recorreu ao STF contra o ato da juíza federal, que, para ele, teria afrontado a decisão do Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130/DF, de relatoria do Ministro Ayres Britto.

Na reclamação ao STF, Florestan afirma:

[…] A Magistrada estabeleceu clara censura ao jornalista ora Reclamante, obstando o livre exercício de sua atividade profissional, que envolve a possibilidade de entrevistar as pessoas cuja palavra seja de interesse público. O jornalista Reclamante havia pedido para agendar entrevista com o Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e a magistrada negou o acesso. A mesma negativa foi dada em resposta a requerimentos formulados por outros jornalistas e pelo próprio Sr. Luiz Inácio Lula da Silva”.

O ministro Ricardo Lewandowski julgou procedente a reclamação de Florestan Fernandes Jr e da Folha de S. Paulo, e dentre os seus fundamentos estão:

[…] Isso porque, ao julgar a citada arguição, o Plenário do Supremo Tribunal Federal garantiu “a ‘plena’ (sic) liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia”.

“[…] A imprensa como plexo ou conjunto de ‘atividades’ ganha a dimensão de instituição-ideia, de modo a poder influenciar cada pessoa de per se e até mesmo formar o que se convencionou chamar de opinião pública. Pelo que ela, Constituição, destinou à imprensa o direito de controlar e revelar as coisas respeitantes à vida do Estado e da própria sociedade” (ADPF 130/DF, Rel. Min. Ayres Britto).

[...] não há como se chegar a outra conclusão, senão a de que a decisão reclamada, ao censurar a imprensa e negar ao preso o direito de contato com o mundo exterior, sob o fundamento de que “não há previsão constitucional ou legal que embase direito do preso à concessão de entrevistas ou similares”, viola frontalmente o que foi decidido na ADPF 130/DF.

[…] O STF, em inúmeros precedentes, mesmo antes do julgamento da ADPF 130/DF, já garantiu o direito de pessoas custodiadas pelo Estado, nacionais e estrangeiros, de concederem entrevistas a veículos de imprensa, sendo considerado tal ato como uma das formas do exercício da autodefesa.

[…] Ressalto, ainda, que não raro, diversos meios de comunicação entrevistam presos por todo o país, sem que isso acarrete problemas maiores ao sistema carcerário, das quais cito algumas: ex-Senador, Luiz Estevão, concedeu entrevista ao “SBT Repórter” em 28/5/2017; Suzane Von Richthofen concedeu entrevista ao programa “Fantástico” da TV Globo em abril de 2006; Luiz Fernando da Costa (Fernandinho Beira-Mar) concedeu entrevista ao “Conexão Repórter” do SBT em 28/8/2016; Márcio dos Santos Nepomuceno (Marcinho VP) concedeu entrevista ao “Domingo Espetacular” da TV Record em 8/4/2018; Gloria Trevi concedeu entrevista ao “Fantástico” da TV Globo em 4/11/2001, entre outros inúmeros e notórios precedentes.

[…] Observo, também, que a Magistrada responsável pela execução penal alegou questões de segurança pública e outras atinentes à administração penitenciária para indeferir o pedido de entrevista com o ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.

Neste ponto, impende relembrar que o custodiado encontra-se na carceragem da Polícia Federal em Curitiba e não em estabelecimento prisional, em que pode existir eventual risco de rebelião. Também não se encontra sob o regime de incomunicabilidade e nem em presídio de segurança máxima.

Os argumentos do ministro Ricardo Lewandowski aqui disponibilizados, não foram suficientes para convencer o seu colega Luiz Fux do STF. E tornou sem efeito a decisão que havia garantido o cumprimento do dispositivo constitucional da liberdade de expressão.

Advogado da Folha de S. Paulo critica decisão do ministro Luiz Fux

"A decisão do ministro Luiz Fux é o mais grave ato de censura desde o regime militar". Declaração do advogado do jornal Folha de S. Paulo, Luís Francisco Carvalho Filho, em crítica à decisão do ministro de proibir que o jornal faça e divulgue entrevista com o ex-Presidente Lula, no periódico desse sábado (29). Acrescentando que a decisão do ministro Fux "é uma bofetada na democracia brasileira. Revela uma visão mesquinha da liberdade de expressão", concluiu o causídico da Folha de S. Paulo.

Aqui trago aos leitores, parte da análise do jurista Lenio Luiz Streck, por meio de artigo publicado nesse sábado (29) no Portal Jurídico Conjur, intitulado: “O grave erro da cassação feita por Fux da decisão de Lewandowski”

[...] O Partido Novo ingressou com um inusitado pedido de Suspensão de Liminar, com fundamento no artigo 4º da Lei 8.437/1992. O ministro Luiz Fux, no exercício da Presidência do STF, cassou a liminar do colega. Eis o dispositivo utilizado, o qual, aliás, não foi transcrito na decisão do Ministro Fux. Leiamos:

Art. 4º Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

Em que parte esse dispositivo autoriza o ministro Fux a cassar a decisão do ministro Lewandowski? O Partido Novo é pessoa jurídica de direito público interessada diante de flagrante ilegalidade? E qual a grave lesão à ordem?

Mas tem algo mais grave na equivocada decisão de Sua Excelência: ele não suspendeu uma liminar no sentido técnico da palavra. Na verdade, Fux suspendeu uma decisão monocrática que julgou procedente a reclamação, como bem lembra o jurista Marcio Paixão. Portanto, nem se tratava de liminar, sendo incabível a suspensão. Por isso cabe facilmente — para dizer o menos — um mandado de segurança ao presidente do Supremo Tribunal, ministro Dias Toffoli.

Mais grave: o artigo 1º da Lei dos Partidos Políticos diz que o partido politico é PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO (isso está claro, por exemplo, na SS 4.928). Pronto. Aqui nada mais seria necessário. O ministro não se deu conta dessa “sutileza”. Logo, o partido nem poderia ter entrado com o pedido.

Mas tem mais. Há precedentes do STF sobre essa temática. A matéria é pacífica. Leiamos parte do voto do ministro Gilmar Mendes (cuja matriz tudo indica ser a SL 381-PR) e que está transcrito em mais de uma decisão:

"A interpretação do referido dispositivo (art. 4º e parágrafos terceiro e quarto da Lei 8.437/1992) não deixa dúvida de que é incabível ao Presidente de um determinado Tribunal conhecer do pedido de suspensão contra decisões prolatadas por membros da mesma Corte.

Assim, não cabe à Presidência do Supremo Tribunal Federal o conhecimento dos pedidos de suspensão de decisões proferidas pelos demais ministros do STF.

Isso significa que a decisão liminar impugnada, em sede de Reclamação Constitucional que tramita nesta Corte é ainda pendente de julgamento de agravo, não serve de parâmetro para o cabimento do pedido de suspensão" (SL 381-PR). Vide SL 1118/DF, Rel. Min. Carmen Lúcia" (...).

8. Entendimento diverso viabilizaria a atuação do Presidente do Supremo Tribunal Federal como espécie de revisor das medidas liminares proferidas pelos demais Ministros, o que se apresenta inadequado, pelo fato de comporem o mesmo órgão jurisdicional, não havendo cogitar de hierarquia interna.

Nesses termos, eventual erro na prestação jurisdicional deve ser suscitado por recurso próprio taxativamente previsto na legislação processual, sendo descabida a conversão da medida de contracautela, de caráter excepcional, em sucedâneo recursal ".

Simples assim. Ou complexo. Analisou o jurista Lenio Streck.

STF disse recentemente: não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia

O Supremo Tribunal Federal do qual o ministro Fux faz parte, julgou em recente decisão de mérito (21/06/2018) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4451, em que a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) questionava dispositivos da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) que impediam emissoras de rádio e televisão de veicular programas de humor envolvendo candidatos nos três meses anteriores ao pleito, como forma de evitar que fossem ridicularizados ou satirizados, julgou, dando uma lição de cidadania acerca da liberdade de expressão, assim como ocorreu na ADPF 130 que serviu de supedâneo para a decisão do ministro Ricardo Lewandowski, senão vejamos:

[...] Não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas. Dever de omissão que inclui a própria atividade legislativa, pois é vedado à lei dispor sobre o núcleo duro das atividades jornalísticas, assim entendidas as coordenadas de tempo e de conteúdo da manifestação do pensamento, da informação e da criação lato sensu. Vale dizer: não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, pouco importando o poder estatal de que ela provenha. Isso porque a liberdade de imprensa não é uma bolha normativa ou uma fórmula prescritiva oca. Tem conteúdo, e esse conteúdo é formado pelo rol de liberdades que se lê a partir da cabeça do art. 220 da CF: liberdade de “manifestação do pensamento”, liberdade de “criação”, liberdade de “expressão”, liberdade de “informação”. Liberdades constitutivas de verdadeiros bens de personalidade, porquanto correspondentes aos seguintes direitos que o art. 5º da nossa Constituição intitula de “Fundamentais”: “livre manifestação do pensamento” (inciso IV); “livre (...) expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação” (inciso IX); “acesso à informação” (inciso XIV). [...].

Informo por oportuno que a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) Nº 4.451 MC-REF, iniciou em 2010 sob a relatoria do eminente ministro Ayres Britto e agora em 2018 foi concluída e aprovada por unanimidade dos ministros do STF, sob a relatoria do ministro constitucionalista Alexandre de Moraes.

  • Foto: Walterson Rosa/FramePhoto/Estadão ConteúdoPlenário do Supremo Tribunal Federal (STF)Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) que será palco de discussão sobre o assunto

Minha opinião acerca do assunto em discussão

Entendo que o magistrado ao analisar uma decisão que atenta contra a liberdade de expressão e de comunicação, deve investir-se de extrema prudência e livrar-se de toda emoção e preferência política desrazoável, sobretudo quando se estar na iminência de uma eleição presidencial bastante acirrada.

Em uma sociedade que se submete ao Estado Democrático de Direito, a definição constitucional de liberdade de expressão é melhor compreendida se interpretada à luz do mandamento constitucional correspondente.

O legislador constituinte de 1988 ao selecionar os bens jurídicos que deviam ser tutelados pelo Direito Constitucional como bens fundamentais, elegeu, dentre estes, a liberdade de expressão, a garantia à livre comunicação e vedou a censura, como garantias fundamentais expressas em nossa Carta Política de 1988. Especialmente no art. 5º, Incisos IV e IX, que transcrevo-os literalmente: “IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; e IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença [...].

É indispensável dizer ainda, que o teor do art. 3º da nossa Constituição, ou seja, os objetivos fundamentais da República, principalmente os que estão expressos nos incisos I e IV, respectivamente, como: ‘construir uma sociedade livre, justa e solidária’ e ‘promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação', estão em perfeita sintonia com o disposto no artigo 5º, Incisos IV e IX, antes referenciados.

Portanto, o ministro Luiz Fux, a meu sentir, agiu com expressa violação à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e à posição pacificada do STF acerca do tema, quando contrariou decisão do seu colega ministro Ricardo Lewandowski, em que havia autorizado tanto à Folha de São Paulo como ao jornalista Florestan Fernandes Júnior entrevistarem o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (preso político, na visão de grande parte da população e de juristas do País), na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba no Paraná.

Essa é a minha opinião, salvo melhor juízo.

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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