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As luzes da sala ainda estavam apagadas, e, como sempre, fui o primeiro a chegar. Na estante havia uma enorme quantidade de livros, alguns mais novos, outros mais antigos, provavelmente doados à sinagoga por pessoas piedosas. Estar só num espaço religioso, no silêncio do final de tarde, e ter à disposição livros que falam sobre o Antigo Testamento, a Torá, leva-nos a uma análise profunda sobre o que observamos no nosso dia a dia, nos fatos sociais, políticos e pessoais, estabelecendo uma comparação com o que aprendemos e interpretamos dos comentários dos nossos sábios.

Ter a sensação de que o espaço físico sagrado, envolto numa mistura profana que trazemos de fora, na maioria das vezes pelo acúmulo de informação, é capaz de elucidar nossas dúvidas sempre me fascinou e me impeliu a chegar cedo à sinagoga para me debruçar sobre os livros, na busca de respostas às minhas questões de alta indagação social. Contudo, naquela tarde, antes do pôr do sol, algo logo me chamou a atenção: a história de Sara, narrada por um sábio na Idade Média.

Como todos sabem, Sara ficou grávida aos 90 anos e amamentou seu filho sob o olhar indignado de todos na época. Alguns explicam que Deus quis, com isso, demonstrar e contrapor a atitude maternal de Sara - o aspecto do cuidado, do alimento, do amor ao ser humano - com a paternidade de Abraão - mais racional, mais masculino em seu papel.

Essa visão construtiva do ser humano - do alimentar, do sustentar, transpondo as barreiras da idade, na determinação de amamentar não apenas o próprio filho, mas também outros, como prova da capacidade de cuidar - remeteu-me imediatamente a uma nova visão sobre o que significa governar um país. Não há como conduzir uma nação com um braço inspirado apenas na determinação de Abraão, sem contar com o outro, inspirado na doçura, na compreensão, no amor à humanidade, como demonstrado por Sara.

Quando se critica um olhar aos mais humildes, levando em conta somente os aspectos técnicos de uma economia, desprezando a essência do ser humano, é o momento de avaliar o exemplo daqueles que, religiosos ou não, inspiraram ações que elevaram os homens à sua condição social, dando-lhes oportunidade, trabalho, alimento e uma vida digna. Digo religiosos ou não porque existem várias maneiras de manifestar a religiosidade, como, por exemplo, a luta por justiça social.

As respostas às formas de governar com o coração e a razão sempre nos surgem quando há disposição espiritual para encontrá-las. Talvez chegar cedo aos locais religiosos, indignar-se e estar aberto a refletir sobre o que é bom para o Brasil, para o povo pobre e esquecido nos predisponha a alma a olhar nossa nação de maneira mais justa, com mais luz no coração, mesmo que todas as luzes do santo recinto estejam apagadas. Basta procurarmos nas palavras, submergirmos no silêncio da tarde, iluminarmos nossas dúvidas com as antigas luzes dos livros sagrados, como a bela história de Sara.

*Fernando Rizzolo é Advogado, Pós Graduado em Direito Processual, Professor do Curso de Pós- Graduação em Direito da Universidade Paulista (UNIP), Coordenador da Comissão de Direitos e Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo, e membro efetivo da Comissão de Direito Humanos da OAB/SP, Articulista Colaborador da Agência Estado, e Editor do Blog do Rizzolo – www.blogdorizzolo.com.br, e autor do livro " Plano Detalhe" publicado pela Editora Giz.

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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