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Edvaldo Pereira de Moura: quando a arte socorre à vida

Artigo do desembargador Edvaldo Pereira de Moura, que é diretor da ESMEPI e professor da UESPI.

Foto: Arquivo pessoalEdvaldo Moura
Edvaldo Moura

Diretor da Escola Superior da Magistratura do Piauí (Esmepi) e professor da UESPI

Temos a satisfação de registrar, que há poucos meses escutamos, com justificável interesse e aprazível embevecimento do intelecto, erudita e substanciosa palestra sobre Direito e Literatura, proferida pelo professor Plauto Lemos Cardoso, mestre e doutor pela Universidade Católica de Minas Gerais, em que ele, transcendendo as lições ortodoxas do Direito e da Justiça, com intenso brilho, clareza e didática, demonstrou, convincentemente, que certas e determinadas obras, da lavra de escritores estrangeiros e nacionais, como Wilhiam Shakespeare, Ariano Suassuna e Machado de Assis, dentre outros, possibilitavam a extração de valiosas lições sobre o Direito e a Justiça.

Naquela oportunidade, como apresentador do palestrante, subscrevemos as suas ponderações, afirmando que em nossa vida estudantil, notadamente na temporada universitária, travamos obrigatório conhecimento com A Cidade de Deus de Santo Agostinho, com A República de Platão, com a Utopia de Thomas Morus, com A Cidade do Sol de Tommaso Campanella, com o Mercador de Veneza, de Wilhiam Shakespeare e com o genial clássico conto, a Sereníssima República, de Machado de Assis que, com certeza, encantaram a todos com a ideia de Direito e de Justiça, tratada por eles no campo ficcional.

No que se refere à Cidade de Deus, foi exatamente nessa obra em que o bispo de Hipona firmou os conceitos, séculos depois restabelecidos por Tomás de Aquino, referentes a chamada guerra justa, aquela que é comandada por uma autoridade legítima. Para ele, uma guerra para ser justa não poderia ser preemptiva, ou seja: pensada antes, mas uma ação defensiva em face de uma agressão já desencadeada, acrescentando: a passividade diante de uma injustiça seria considerada inominável pecado.

Espantosamente, as grandes utopias redentoras, construídas em torno do Direito e da Justiça, jamais prosperaram, e o que se nos surgem, sombrias e ameaçadoras, são os seus contrários, as chamadas distopias, onde os valores do bom, do bem e do belo, são pervertidos e transmudados em suas essencialidades ontológicas.

Infelizmente, os mundos felizes das salutares esperanças bíblicas parecem cercados do fumo espesso da descrença e do pessimismo, fazendo com que esqueçamos as grandes utopias e a substituamos pelas distopias cavernosas e kafkianas, a espera de um fim lento e gradual, ou sob uma súbita explosão de ogivas nucleares da grande hecatombe universal.

Até aqui, imbuídos da estética ficcional, segundo a qual a arte imita a vida, buscamos os acenos instintivos do artista, que procura construir uma ideia de Justiça e de Direito, com os recursos de sua imaginação, criando para seus personagens, um microcosmo em que o artista imita a vontade e o poder do criador do macrocosmo universal.

Cremos que no nosso meio, poucos são os que não conheçam o programa de televisão Direito e Literatura: do fato à ficção, apresentado semanalmente pelo ilustre procurador de justiça do Rio Grande do Sul e professor da Unisinos, Doutor Lênio Streck. Naquele programa, intelectuais de escol convidados, fazem uma reflexão extraída da leitura de uma obra por eles escolhida, buscando no seu conteúdo tirar qualquer similitude com a realidade do Direito e da Justiça. Há momentos em que um convidado diz coisas assim: “fazendo uma analogia com o livro, o Direito também não tem a cura para nossa sociedade doente, talvez porque ele também padeça de algumas enfermidades, mas tem suas responsabilidades e precisa atuar, não se deixando ser funcionalizado”.

Há, também, um outro segmento analítico a ser extraído da leitura de uma obra ficcional, com relação aos fatos contidos no Direito e na Justiça ou por eles perseguidos. Aqui, este velho magistrado, fala por experiência própria.

Aprofundando-nos na análise da trama metafórica exposta pelo cônego Vargas sobre o sistema eleitoral dos artrópodes na Sereníssima República machadiana, foi que nos surgiu a ideia de suscitar entre os ilustres e preclaros colegas da Justiça Eleitoral deste Estado, as bases do Tribunal Cidadão, voltado à conscientização e cooptação patriótica de todos os agentes da sociedade, na busca efetiva de abominar as práticas eleitorais criminosas, aliadas à indiferença, à ignorância ou ao mercantilismo secular do voto, que tanto ameaçam a sustentabilidade constitucional do nosso estado democrático de direito pleno.

Quer isto dizer, que a obra ficcional também pode inspirar buscas reais de soluções no campo controverso e minado em que se espraiam os conceitos funcionais do Direito e da Justiça dos dias que correm. Não se pode esquecer de que as bases do senso comum foram sempre pontos de partida para a elaboração dos mais complexos postulados, conclusões e métodos epistemológicos.

Enquanto os dias finais do apocalipse não chegam, que a arte ficcional dos grandes autores, continue nos dando o alento da esperança de uma Justiça agregadora e perene. É o que buscamos nas lições iluminadas do Professor Plauto Cardoso, sem olvidar que o nosso grande mestre e conterrâneo Evandro Lins e Silva, fazia da literatura ficcional dos grandes autores universais, um apêndice não deslindável da cultura mística do Direito.

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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