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Direito Penal de emergência

Artigo do desembargador Edvaldo Pereira de Moura, que é diretor da ESMEPI e professor da UESPI.

Foto: Paulo Vitalino/GP1Edvaldo Moura - desembargador do TJ- PI
Edvaldo Moura - desembargador do TJ- PI

Edvaldo Pereira de Moura

Desembargador, ex-diretor da ESMEPI, Presidente da Seccional do Instituto dos Magistrados do Brasil, professor da UESPI e imortal da Academia Brasileira de Letras da Magistratura.

“A política criminal que observamos na atualidade nacional furta-se do modelo garantista, eis que procura dar guarida a anseios imediatistas, oferecendo respostas e atuando em conformidade com as pressões sociais sem nem mesmo se ater a verificação de sua eficácia instrumental como meio de prevenção ao delito”. Luigi Ferrajoli

Ao iniciar a sua tradicional temporada de cursos em Direito Público e Direito Privado, que ministra, anualmente, em nível de PósGraduação, há mais de uma década, em convênio com a Universidade Federal do Piauí, a Escola Superior da Magistratura do Piauí - ESMEPI, uma das três primeiras criadas no Brasil, brindou os seus participantes com judiciosa, objetiva, convincente e aplaudida exposição, verdadeira aula magna, sobre o Direito Penal de Emergência, também chamado de direito simbólico, tema interessante e de inegável atualidade, apresentado pelo eminente e talentoso defensor público e professor, Juliano de Oliveira Leonel, mestre e doutor em Ciências Criminais, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Gustav Radbruch sentenciou, certa feita: Mais do que uma prisão melhor, o sensato é procurar algo melhor do que a prisão. Heleno Fragoso, penalista brasileiro de inegáveis méritos, com a sua inquestionável autoridade, pontificou: A prisão é um trágico equívoco histórico, muito característico do vigente sistema criminal e que, validamente, somente pode ser admitida, quando não houver outro meio menos gravoso e degradante de se punir o delinquente.

Seguindo a mesma linha de argumentação, o Ministro Francisco Toledo, em memorável palestra proferida para magistrados e demais operadores jurídicos, em importante congresso realizado em Santa Catarina, disse: A prisão é uma detestável solução de que, infelizmente, o Sistema de Justiça Criminal, não pode abrir mão.

Cesare Beccaria, um dos consagrados vultos da Escola Clássica, sempre preocupado com a humanização do Direito Penal, em sua notável obra, Dei Delitti e Delle Pene, escrita em 1764, mostrou, como notável penalistas de todos os tempos, que é melhor prevenir os crimes do que reprimi-los. Em verdade, todo legislador sábio deve procurar, antes, impedir o mal do que repará-lo, já que uma boa legislação não é senão a que proporciona aos homens o maior bem-estar possível, preservando-os de todos os sofrimentos e ofensas à sua dignidade pessoal.

Então, o que se pode dizer de todos esses sábios conceitos penalógicos, quando milhões de telespectadores se voltam para as decisões de nossas cortes de justiça, esperando, avidamente e, apenas, mais rigor punitivo, ditado pelo senso comum e pelos defensores da corrente da lei e da ordem, tão ao gosto da espetacularização penal dos nossos dias?

É claro que não podemos ser a favor da impunidade dos autores dos fatos infringentes das normas penais, principalmente daqueles mais danosos aos interesses do Poder Judiciário e do cidadão, mas achamos que a resposta penal do Estado-juiz deva ser sempre a mais sensata, a mais exemplar, a mais justa, sem prejuízo do ressarcimento dos danos causados pela ação criminosa, real por real, centavo por centavo, como já preconizava, 1780 anos antes de Cristo, o Código de Hamurabi.

O certo é que, depois dessas traumáticas ofensas aos valores morais, financeiros e jurídicos de que se tem notícia, através da mídia, talvez a Justiça Criminal do Brasil sairia mais fortalecida e respeitada se, sem espetáculo ou pirotecnia, mais corajosa e altivamente, sob o norte do minimalismo penal, punisse sem exagero a todos os que, direta ou indiretamente, venham a se envolver, nesses graves e danosos fatos, respeitando-se, todavia, o devido processo legal, gênero de que são espécies o contraditório e a ampla defesa, com assento na Constituição de 1988, em que acreditam os profissionais do Direito, infensos ao autoritarismo e defensores da democratização dos três subsistemas de Justiça Criminal: o policial, o judicial e o penitenciário.

Vemos como de importância vital, para o fortalecimento da Justiça Criminal e aprimoramento dos que nela atuam, a realização de eventos científicos, didáticos e culturais, como o de que participamos, naquela memorável noite, porque o conhecimento do Direito, pela especificidade, amplitude e complexidade de que se reveste, a cada dia, além de relevante e exigível, é absolutamente necessário.

A respeito do tema escolhido, pouco ou quase nada devemos acrescentar, a não ser que a ideia de emergência, consoante o lúcido e abalizado ensinamento de Fauzi Hassan, traduz o sentido de urgência e de crise. "A emergência, para o festejado autor, é aquilo que foge dos padrões tradicionais de tratamento do sistema repressivo, constituindo um subsistema de derrogações dos cânones culturais empregados na normalidade".

Para Thiago Bottino, a cultura emergencialista revela a incapacidade de se controlar a violência, o crime e a criminalidade, numa ambiência normal e por isso é preciso que nos utilizemos de medidas excepcionais que, mais cedo ou mais tarde, terminam se incorporando, para sempre, ao nosso direito positivo.

Leonardo Sica, advogado criminal, respeitado em todo o Brasil, com precisão cirúrgica, preleciona: "O cenário ideal para o desenvolvimento da emergência penal e processual penal seria uma sociedade acuada e amedrontada com a violência urbana e a criminalidade. Tal sensação de pânico generalizada é criada através de dados estatísticos mal interpretados, com informações distorcidas e divulgadas pelos diversos veículos de comunicação de massa", conclui.

Não se pode deixar de repensar no que sustentou, em 2017, o Desembargador Ricardo Cardozo de Mello Tucunduva, do Tribunal de Justiça de São Paulo, mestre e doutor em Direito pela PUC daquele Estado, Presidente do Instituto Internacional de Estudos de Política Judiciária, dizendo. in verbis: "Tenho que o aumento da criminalidade se deve ao fracasso da chamada prevenção primária do crime, estudada pela criminologia, porque o Estado não tem cumprindo as suas funções sociais nas mais diversas áreas, como a Educação, a Saúde, a Habitação e a Segurança Pública, etc".

Por fim e por indeclinável dever de justiça e gratidão, só nos resta agradecer, profundamente sensibilizado, ao professor Juliano de Oliveira Leonel, a quem aprendemos a admirar, de há muito, pelos seus reconhecidos méritos, como Defensor Público e mestre de invejável domínio, no âmbito do Direito Penal e Processual Penal do Brasil.

Teresina, 06 de fevereiro de 2024.

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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