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Ciência e Tecnologia

Pesquisa da UFPI usa inteligência artificial no ensino de idiomas

Plataforma utiliza um método baseado na chamada "transferência linguística", e deve ser lançada em julho.

Estudo recente divulgado pela British Council, instituição pública do Reino Unido que atua na difusão do conhecimento da língua inglesa, revela que apenas 10,3% dos jovens brasileiros, de 18 a 24 anos, dizem saber inglês. O número é menor quando se trata das pessoas mais velhas, chegando a 5,1%. O baixo investimento do ensino de língua inglesa – e também espanhola – na educação básica é um dos principais fatores que contribui para esse cenário. Com a evolução tecnológica, sobretudo, com o fortalecimento da inteligência artificial, começam a surgir iniciativas inovadoras, que visam facilitar o aprendizado de outros idiomas e podem apontar um caminho para reverter essa deficiência no ensino brasileiro. É o caso da Plataforma LEIA (lê-se com acento agudo no ‘e’), desenvolvida pela professora Aratuza Rocha e o professor Fábio Rocha, que integra o Programa InovaUFPI, da Universidade Federal do Piauí.

Com uma abordagem inovadora, a plataforma utiliza um método de aprendizado baseado na literatura, tendo como premissa a chamada “transferência linguística”, que consiste no uso de estrutura e sons da língua nativa na pronúncia de uma língua estrangeira. Inicialmente, a metodologia é voltada para crianças, e funciona da seguinte forma: o aluno acessa a plataforma e lê os textos literários disponíveis em inglês e espanhol, no que o sistema de inteligência artificial avalia a pronúncia e corrige possíveis erros.

Foto: Marcelo Cardoso/GP1Plataforma LEIA
Plataforma LEIA

O GP1 entrevistou a professora Aratuza e o professor Fábio Rocha, que falaram, desde o surgimento do projeto, até a consolidação da startup, que deve ser lançada oficialmente no mês de julho, com potencial para ser utilizada nas escolas.

Transferências linguísticas

Foto: Marcelo Cardoso/GP1Professora Aratuza Rocha e Professor Fábio Rocha
Professora Aratuza Rocha e Professor Fábio Rocha

O projeto iniciou em meados de 2011, quando Aratuza Rocha, então professora de língua inglesa da rede municipal de Fortaleza (CE), começou a desenvolver o método de transferência linguística com alunos do 9º ano. Além de especialista em língua estrangeira, ela é autora de diversos livros, entre obras infantis, romances e trabalhos acadêmicos.

“Fiz um experimento com aqueles alunos do nono ano com sons da língua inglesa que os brasileiros têm uma certa dificuldade de pronúncia, porque são sons que não pertencem a nossa língua, então eu peguei aqueles sons mais críticos e fiz alguns experimentos. Gravei com a permissão dos pais a voz dos alunos e fiz um levantamento daquelas partes de pronúncia que poderiam ser melhoradas, então desenvolvi com eles a instrução explícita e comecei a mostrar como aqueles sons se aproximariam do padrão nativo, e foi muito interessante ver o resultado daquela pesquisa”, explicou a docente.

O trabalho foi se desenvolvendo e Aratuza levou para seus projetos de mestrado e doutorado. “Fiz um levantamento de muitos processos que a gente chama de ‘processos de transferência’, que é quando eu vou pronunciar alguma coisa da língua inglesa usando a base que tenho da minha língua materna, eu faço ali um arranjo para poder pronunciar uma coisa que não conheço, me valendo daquilo que conheço. Então, eu fui pesquisar todos os sons possíveis, processos de transferência que já estavam sendo trabalhados e fui então mergulhar na pesquisa, naqueles sons que ainda eram inéditos nas pesquisas acadêmicas, então montei todo um portfólio, uma tabela, e comecei a trabalhar agora não mais com alunos da escola pública da rede municipal de ensino, mas do curso de língua inglesa da Universidade Estadual do Ceará”, continuou.

Foto: Marcelo Cardoso/GP1Professora Aratuza Rocha
Professora Aratuza Rocha

Quando o professor Fábio Rocha vem para o Piauí, e passa a integrar o quadro docente do curso de Engenharia Elétrica da UFPI, a plataforma conheça a se desenvolver. “O professor Fábio trouxe para o meu trabalho linguístico o desenvolvimento das redes neurais, e foi um casamento perfeito, porque a rede neural começou a ouvir os alunos e detectar se aquele aluno tinha cometido alguma transferência, se ele não tinha pronunciado como um nativo pronunciaria aquela determinada palavra”, detalhou Aratuza Rocha.

Projeto de pesquisa

Na UFPI, o professor Fábio Rocha cadastrou o projeto de pesquisa junto ao Programa de Pós-graduação em Engenharia Elétrica – do qual é coordenador, com foco no uso da inteligência artificial nos processos de transferência e aprendizado de outra outro idioma. Ao longo de seis anos, muitos estudos se desenvolveram nesse âmbito, apenas reforçando a eficácia do método desenvolvido pelos dois professores.

Foto: Marcelo Cardoso/GP1Fábio Rocha
Fábio Rocha

“O projeto foi cadastrado pelo nosso programa de Pós-graduação em Engenharia Elétrica, que usa a parte de inteligência artificial aplicada. Tem seis anos que ele foi lançado aqui dentro, e produziu aqui algumas dissertações de mestrado e trabalhos de conclusão de curso de alunos, sempre pesquisando essa influência da inteligência artificial nesse programa avaliativo”, afirmou Fábio Rocha.

A plataforma

“É uma plataforma acessível pela internet, onde a pessoa logo que acessa, vai ter uma literatura para ler, um trecho de um livro, inicialmente vai ser literatura infantil. A criança vai ler em espanhol ou em inglês, e quando ela erra, vai cair nos processos de transferência que a professora estudou, e a plataforma vai retornar para o aprendiz, apontando o erro. Então, a criança consegue aprender com esses retornos da plataforma, da mesma forma esse retorno vai para os pais, vai para o professor, que poderão acompanhar”, frisou o professor da UFPI.

Foto: Marcelo Cardoso/GP1Plataforma LEIA foi desenvolvida pelos professores Fábio Rocha e Aratuza Rocha
Plataforma LEIA foi desenvolvida pelos professores Fábio Rocha e Aratuza Rocha

Ainda segundo Fábio Rocha, o projeto é inovador por permitir o aprofundamento na gramática da língua estrangeira. “Pela história literária ela também memoriza as estruturas gramaticais, memoriza vocabulário, memoriza a história em si, então ela aprende de vários âmbitos, vai aprendendo e internalizando a nova língua em várias estruturas, inclusive também o conceito de literatura, porque ler faz bem, então o conceito de literatura dela também vai se formando e tudo isso vai ter uma métrica na plataforma que vai indicar como ela está evoluindo nesses vários âmbitos que estamos testando”, pontuou.

Startup

Assim que o projeto foi tomando forma, os professores entenderam a necessidade de criar uma startup, de modo a viabilizar o uso da plataforma em escolas. A startup conta com mais dois sócios.

Foto: Marcelo Cardoso/GP1Professor Fábio Rocha
Professor Fábio Rocha

“Há um conceito usado em startups, que é o conceito de spin-off, quando se desenvolve uma tecnologia dentro do ambiente universitário, e você consegue lançar para toda a comunidade, para ajudar a sociedade a evoluir. Foi nesse modelo que a gente abriu a startup, que recebeu inicialmente um incentivo da Prefeitura de Teresina, depois foi aprovado por um segundo edital de fomento, do Governo do Estado, e por último agora recebemos fomento da própria instituição, pelo projeto Inova UFPI, que investiu na nossa startup para a gente poder lançar o nosso produto mínimo viável”, colocou o professor.

Educação pública

Embora, inicialmente, haja maior viabilidade para inserir a plataforma no setor do ensino privado, os professores vislumbram a possibilidade de o projeto chegar na educação pública.

“Esse, na verdade, é um sonho. Se a gente pudesse atuar exatamente nesse ramo e trazer a plataforma, deixá-la acessível para esse tipo de público, que a gente sabe que é o público que mais sofre com a falta de estrutura educacional, seria um dos maiores sonhos. Então, se a gente conseguir um link desses, uma vez a plataforma se mostrando viável, se mostrando no mercado e passando a interessar também ao aparelho governamental, acredito que tem tudo para dar certo, ela é factível, tem como se inserir e tem como contribuir socialmente”, explanou o professor Fábio Rocha.

Desafios do ensino de língua estrangeira no Brasil

Foto: Marcelo Cardoso/GP1Aratuza Rocha
Aratuza Rocha

Por fim, a professora Aratuza Rocha falou do grande desafio que a educação brasileira precisa encarar, que é a deficiência no ensino da língua estrangeira, principalmente inglês e espanhol.

“Somos o único país da América Latina que não dominamos o espanhol, isso é inadmissível. Seria maravilhoso se essa plataforma entrasse nas escolas públicas, eu gostaria muito, porque é uma necessidade para ontem, isso é urgente, precisamos dominar a língua espanhola e precisamos dominar a língua inglesa, porque é a língua mundialmente falada e os nossos estudantes das escolas públicas precisam ser assistidos nisso”, enfatizou a professora.

InovaUFPI

A Plataforma LEIA faz parte do Programa InovaUFPI, gerenciado pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação (PROPESQI) da UFPI, sob coordenação da professora Keylla Urtiga. A coordenadora explicou ao GP1 como funciona a iniciativa, que contempla, atualmente, nove projetos nas mais diversas áreas.

Foto: Lucas Dias/GP1Professora Keylla Urtiga
Professora Keylla Urtiga

Lançado em setembro de 2022, o programa investiu um total de R$ 250 mil em nove projetos, por meio do pagamento de bolsas. “Temos desde a plataforma LEIA, que é um software, até soluções para sanitização da água, passando por projetos no agronegócio, então, são soluções diversas que têm o potencial de alcançar o mercado, e a instituição, em um movimento contínuo de aprovação e fomento a inovação, resolveu lançar esse programa”, afirmou Keylla Urtiga.

Ainda conforme a coordenadora, ainda neste ano será lançado o segundo edital do programa. Ela explicou ainda que os projetos contemplados no primeiro edital serão vinculados a incubadora voltada a iniciativas tecnológicas, que será inaugurada em breve.

“Vamos lançar o segundo edital e esses projetos que serão convertidos em negócios, em empresas e em startups vão ser incubados na nossa Incubadora de Empresas de Base Tecnológica, a INBATE. A incubadora é forma de apoio a startups ou spin-offs acadêmicas constituídas por professores e alunos, para que eles possam ter todo o apoio necessário naqueles primeiros anos, dando apoio jurídico, administrativo, auxílios diversos para que essas empresas constituídas por discentes e docentes possam evoluir e chegar ao mercado”, concluiu a professora.

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