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A Verdade Posta Fora dos Autos - Na visão do desembargador Valério Chaves

Sem confiança na Justiça não há como o cidadão recorrer a ela.

De uma clássica lição da sabedoria política que teria sido dirigida a Abraham Lincoln, extrai-se a seguinte advertência: O que será da Ordem sem o respeito à Justiça ?

Esta vetusta síntese parece pertinente e atual no momento em que alguns acusadores de plantão, a pretexto de falar sobre o que não conhecem, utilizam-se da mídia televisiva para assacar insinuações à dignidade da Justiça, principalmente contra juízes criminais do Piauí que, descumprindo a lei e sua atribuição constitucional, estariam fazendo mutirão de soltura de criminosos custodiados nos presídios do Estado.

Da forma que ultimamente tais acusações estão destravando a língua de quem, sem um mínimo ético, semeia inverdades para a opinião pública desavisada sobre o funcionamento do Judiciário, passa a impressão de que os juízes, quando assinam alguma ordem de soltura por excesso de prazo para a formação da culpa, estão agindo por mero diletantismo.

Não é desarrazoado supor que quem se utiliza da imprensa para, sem o incômodo do contraditório, repetir a velha toada de que “a polícia prende e a justiça solta”, não o faz imbuído de espírito de Justiça. Pelo contrário, está prestando um desserviço à sociedade, na medida em que coloca em xeque a dignidade da própria Justiça.

Ora, seria pouco realista dizer-se que não está na hora de se estancar os efeitos destruidores da ação dos criminosos; que a violência está gerando pavor paralisante no país; que a Magistratura deve ser imune às críticas e que não deve ser debatida em todos os níveis. No entanto, o limite de tais debates não pode começar estrangulando a honra dos juízes, levando de roldão sua independência e as funções constitucionais de um poder.

Quem não perde espaço na mídia local para destilar abstrações contra quem cumpre a lei que lhes é entregue pelos representantes do povo, certamente, desconhece ou finge desconhecer que as deficiências do Poder Judiciário são historicamente estruturais; que seus juízes, em número insuficiente, trabalham com um volume incalculável de feitos e utilizam uma legislação que não acompanhou os avanços da modernidade.


Impõe-se dizer-se que o Judiciário, coisa pública, não pertence aos juízes que o compõem, mas a toda a sociedade que dele se serve, esperando justiça e eficiência.

É preciso ter-se equilíbrio, não se podendo perder-se de vista o que percebia Balzac ao afirmar que “Desconfiar da Magistratura é um princípio de dissolução social”.


Como órgãos desse Judiciário, sem independência financeira, temos consciência de que a sociedade, ao exigir resposta rápida à violência, revela-se impaciente com a morosidade na prestação jurisdicional e com a edição de leis pontuais feitas ao sabor da importância política ou social da vítima.

Porém, não será prudente começar desrespeitando suas decisões e fazendo-se acusações além do razoável, principalmente quando tais insinuações são dirigidas de modo insolente e atrevidas. Com efeito, vivemos num Estado Democrático de Direito. E democracia não se faz apenas com declaração formal de resguardo à cidadania; faz-se, também, com respeito às instituições.

A medir pelo grau de avanço dos costumes éticos da modernidade, está na hora de dar um basta nesse processo de desconsideração.

Longe de pretendermos responder a vã soberba dos nossos algozes, cumpre-nos, pelo menos, exclamar do cepo de nossa indignação que as críticas inconseqüentes não atingem somente os juízes corretos e honestos que cumprem a lei, mas a cidadania, porque sem confiança na Justiça não há como o cidadão recorrer a ela quando atingido por atos ilegais e arbitrários.

 

 

 

*Valério Neto Chaves Pinto é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí e integrante da 1º Câmara Especializada Criminal.

 

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