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Envio de armas para Ucrânia agrava risco do conflito se espalhar

EUA e aliados da Otan se concentram em convencer cerca de 30 países a fornecer armamentos.

Enquanto colunas de tropas russas começavam a entrar na Ucrânia quase dois meses atrás, os Estados Unidos e seus aliados passaram a abastecer Kiev com armas e equipamentos para uma guerra que, segundo muitos esperavam, seria curta: fuzis de precisão, capacetes, kits médicos, comunicadores criptografados, grandes quantidades de munição e os mísseis portáteis Stinger e Javelin que rapidamente se tornaram os ícones deste conflito.

Contrariando expectativas, a Ucrânia manteve sua capital e expulsou os russos do norte do país. Agora, enquanto o Kremlin troca a marcha e inicia um esforço concertado para capturar o leste da Ucrânia, Washington e seus aliados também estão assumindo uma posição proeminente, esforçando-se para fornecer à Ucrânia armamentos mais pesados e mais avançados para o país se defender nesta guerra excruciante.

Mas essa estratégia engendra um risco notável: de antagonizar tanto a Rússia ao ponto que isso provoque um conflito mais amplo e internacional.

A Rússia enviou recentemente um aviso formal aos EUA, declarando que envios do Ocidente para a Ucrânia de sistemas de armamento “mais sensíveis” poderia resultar em “consequências imprevisíveis”.

Autoridades americanas afirmam que o aviso prova que as armas enviadas estão fazendo grande diferença no campo de batalha. Então, em Washington pelo menos, as preocupações a respeito de fornecer armas à Ucrânia que os russos possam considerar “escalatórias” abrandaram — assim como a preocupação inicial a respeito da possibilidade da Ucrânia usar armamento de longo alcance, como caças de combate, para atacar Moscou desencadear uma guerra maior.

Autoridades em Washington estão neste momento decidindo quanta informação de inteligência devem dar aos ucranianos a respeito de bases dentro do território russo, dado que os ucranianos já estão realizando ataques de helicóptero contra depósitos de combustível da Rússia. A Casa Branca também conteve o fornecimento de alguns armamentos capazes de atingir forças russas do outro lado da fronteira, como artilharia de foguetes, caças-bombardeiros e drones de médio alcance.

Alguns argumentam que os americanos estão sendo cautelosos demais. “Sete semanas atrás, eles estavam debatendo sobre mandar ou não os mísseis Stinger — o que agora parece absurdo, não?”, afirmou o tenente-general aposentado Frederick Hodges, ex-comandante do Exército americano na Europa. “Temos sido dissuadidos por um medo exagerado do que possivelmente poderia acontecer.”

A inquietação sobre provocar uma guerra maior persiste entre alguns aliados da Otan, mais visivelmente na Alemanha, que se preocupa com a possibilidade de o fornecimento do veículo de combate de infantaria Marder, considerado um dos melhores blindados do mundo, poder ser percebido pela Rússia como a entrada de Berlim e da Otan na guerra.

Robert Habeck, influente ministro do novo governo alemão, afirmou que o envio de tanques significaria uma escalada e deve ser fruto de consenso entre a Otan e a União Europeia. “Tanques são sinônimo de armamento pesado, e todos os países da Otan até agora descartaram essa hipótese para não se tornar alvo”, afirmou ele.

Mas essas decisões são soberanas — não em aliança. E, seja como for, Washington e numerosos aliados estão enviando armamento desse tipo para a Ucrânia, concentrados em fornecer armas da era soviética, que os ucranianos sabem operar, juntamente com armas ocidentais, que os ucranianos são tranquilamente capazes de absorver.

A Rússia está atacando a Ucrânia a esmo, complicando o fluxo dessas novas armas das fronteiras do oeste ucraniano, com Polônia, Romênia e Eslováquia, até os campos de batalha no leste. Isso representa outro risco: de os ataques russos avançarem através da fronteira ucraniana e atingirem países da Otan, dos quais o presidente Joe Biden prometeu defender militarmente “cada centímetro”.

O desdobramento dessa corrida logística poderia muito bem forjar o resultado da guerra.

As forças russas, após um embaraçoso recuo do norte da Ucrânia e dos subúrbios da capital, Kiev, estão se reposicionando para o que o Kremlin e autoridades ucranianas qualificam como uma ofensiva decisiva para capturar o leste da Ucrânia.

Ao contrário de muitas das batalhas anteriores, este combate tende a ser travado em batalhas entre tanques, em campo aberto, com artilharia de longo alcance e mais drones armados.

O esforço do Ocidente é tão abrangente quanto dispendioso, envolvendo até 30 países, nem todos membros da Otan. O esforço neste momento é fazer com que países que possuem tanques, peças de artilharia e talvez até caças de combate da era soviética enviem os armamentos para a Ucrânia, sob a promessa de que os EUA substituirão, em troca, seus equipamentos por armas mais modernas, fabricadas no Ocidente. Há uma necessidade extrema por projéteis de obuses de 152 milímetros usados no antigo bloco soviético, já que a Otan usa um projétil diferente, de 155 milímetros.

Os EUA também concordaram em fornecer obuses de 155 milímetros, juntamente com 40 mil projéteis dessa medida, ao mesmo tempo que tentam comprar munição de padrão soviético dos países que o utilizam, incluindo países de fora da Europa, como o Afeganistão e até mesmo a Índia, uma antiga compradora de armas russas.

Mas isso não é suficiente, segundo argumentou Hodges. “Ainda não estamos pensando grande”, afirmou ele. “Ainda não estamos considerando uma vitória da Ucrânia.”

Ao contrário do estágio inicial da guerra, em que muitos países pareciam competir para anunciar o que estavam enviando para a Ucrânia, a atual corrida é em grande medida secreta.

Grande parte dessa coordenação, incluindo as maneiras de transportar esse equipamento para a Ucrânia, está sendo realizada pelo Comando Europeu dos EUA, ou EUCOM, com base em Stuttgart, Alemanha, e por uma entidade eufemisticamente batizada como Centro de Coordenação de Doadores Internacionais, estabelecida com os britânicos.

O comando afirmou que estabeleceu no início de março um “centro de controle” para coordenar o envio de armamento e assistência humanitária “de todo o mundo” para a Ucrânia. Mas se recusou a informar detalhes a respeito da iniciativa.

“Na realidade, não há tempo hábil para enviarmos muito armamento pesado americano para Ucrânia, e não temos tempo para treinar militares ucranianos”, afirmou o ex- secretário de Defesa dos EUA Robert Gates. “Mas ainda há bastante equipamento militar soviético nos arsenais dos Estados do Leste Europeu.”

Os EUA, afirmou ele, “deveriam pilhar os arsenais” dos países do antigo Pacto de Varsóvia de seus blindados e sistemas de defesa antiaérea, “sob a promessa de que os EUA reabastecerão posteriormente nossos aliados da Otan com nosso equipamento”.

É exatamente isso que Washington está se apressando em fazer, afirmaram autoridades do Pentágono, descrevendo seu próprio esforço em persuadir a Eslováquia a fornecer sistemas de mísseis S-300 para a Ucrânia. Em 9 de março, o secretário da Defesa, Lloyd Austin, iniciou as conversas com seu homólogo eslovaco, Jaroslav Nad, e concordou em enviar baterias de mísseis Patriot para substituir o armamento que a Eslováquia envie para a Ucrânia.

Negociações similares estão ocorrendo entre outros aliados que possuem armas e munições da era soviética, afirmaram autoridades. Os americanos dizem que também estão conversando várias vezes ao dia com os ucranianos a respeito do que a Ucrânia quer ou necessita e sobre quais países ocidentais eles acham que podem ajudar mais.

O presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, tem expressado repetidamente sua gratidão pela ajuda, mas quer mais — e o quanto antes. Ele reconheceu estar irritado por listar constantemente as mesmas requisições para diferentes interlocutores internacionais, afirmando à revista The Atlantic em Kiev: “Quando alguns líderes me perguntam de quais armas necessito, preciso de um instante para me acalmar, porque eu já lhes disse isso na semana anterior. É como o Dia da Marmota. Sinto-me como Bill Murray.”

Na semana passada, o Pentágono reuniu-se com líderes de oito grandes fabricantes de equipamentos de uso militar, como Raytheon Co. e Lockheed Martin Corp., para discutir maneiras de suprir qualquer problema no fornecimento — tanto para repor o arsenal americano destinado para ajudar a Ucrânia quanto para manter Kiev na luta. As duas empresas fabricam juntas os sistemas de mísseis Javelin, e a Raytheon fabrica os Stinger.

Os EUA, sozinhos, gastaram ou alocaram cerca de US$ 2,6 bilhões nesses equipamentos desde que a guerra começou, em 24 de fevereiro, e a União Europeia destinou 1,5 bilhão de euros (US$ 1,6 bilhão) a essa ajuda. Não há nenhuma perspectiva, porém, de que tropas dos EUA ou da Otan auxiliem a Ucrânia, afirmam autoridades. O Ocidente está fornecendo armas e inteligência — e organizando a torcida dos bastidores.

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