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China é a arma mais poderosa da Rússia em sua guerra de informação

Gigantes da tecnologia paralisaram a mídia estatal russa, mas chineses defendem mesmos pontos de vista.

A propaganda russa sobre a guerra na Ucrânia explodiu no mês passado depois que os canais de notícias estatais russos foram bloqueados na Europa e restritos globalmente. Mas nas últimas semanas, a China emergiu como um potente canal de desinformação do Kremlin, dizem pesquisadores, retratando a Ucrânia e a Otan como agressores e compartilhando falsas alegações sobre o controle neonazista do governo ucraniano.

Com mais de 1 bilhão de seguidores apenas no Facebook, os canais controlados pelo Estado da China oferecem ao presidente russo, Vladimir Putin, um poderoso megafone para moldar a compreensão global da guerra – muitas vezes chamada de “operação especial” de acordo com a retórica do Kremlin.

Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia em 24 de fevereiro, dizem os pesquisadores, os canais chineses passaram a divulgar a falsa alegação de que os Estados Unidos administram laboratórios de armas biológicas na Ucrânia, afirmaram que neonazistas ucranianos bombardearam um hospital infantil -- que na verdade foi bombardeado por tropas russas --, e sugeriram que o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, estava sendo manipulado pelo bilionário húngaro-americano George Soros.

Os canais chineses também deram tempo de antena e amplificação a altos funcionários do governo russo e a apresentadores de canais do governo russo cujos programas foram restritos ou bloqueados. No mês passado, depois que um apresentador do Sputnik, o meio de comunicação estatal russo, postou um vídeo em seu canal pessoal no YouTube discutindo como os neonazistas estavam em ascensão na Ucrânia, o clipe foi tuitado pela Frontline, uma agência do governo chinês.

“Com governos e plataformas de tecnologia se movendo para censurar ou limitar a disseminação da propaganda russa, os pontos de discussão pró-Kremlin agora estão sendo abordados por influenciadores e procuradores, incluindo autoridades chinesas e meios de comunicação estatais que obviamente não enfrentam as mesmas restrições que os meios de comunicação estatais russos”, disse Bret Schafer, membro sênior e chefe da equipe de manipulação de informações da Alliance for Securing Democracy, uma iniciativa apartidária do US German Marshall Fund que rastreia a mídia estatal chinesa e russa. “Isso permitiu ao Kremlin contornar efetivamente as proibições destinadas a limitar a propagação da propaganda russa.”

O sucesso de Putin em semear algumas dessas narrativas enganosas por meio de representantes e aliados está lançando dúvidas sobre a capacidade dos governos ocidentais e dos gigantes da tecnologia de controlar efetivamente as formas mais perniciosas de propaganda autoritária. Com a ajuda da China, dizem os especialistas, a Rússia também está recuperando sua capacidade de obscurecer a narrativa em torno do maior conflito da Europa desde a 2ª Guerra.

“Enquanto os olhos do mundo ainda estão na Ucrânia e os jornalistas estão lá, será difícil para o governo russo fazer grandes progressos. Mas eles podem progredir nas bordas”, disse Kate Starbird, professora associada do Departamento de Design e Engenharia Centrados no Homem da Universidade de Washington. “E, a longo prazo, se o público estiver confuso o suficiente sobre o que aconteceu, podemos não dar à nossa liderança uma mensagem clara para agir.”

Soluções alternativas

Desde os primeiros dias da guerra, quando a Comissão Europeia bloqueou os canais estatais russos e o Twitter, o YouTube e o Facebook restringiram seu alcance, a Rússia correu para criar soluções alternativas. Jornalistas descobriram uma campanha coordenada para pagar influenciadores do TikTok para promover pontos de vista pró-Kremlin, enquanto pesquisadores da empresa de ciência de dados Trementum Analytics documentaram trolls pró-Rússia enviando spam a vídeos do YouTube sobre a Ucrânia com comentários pró-Rússia.

O governo russo também usou suas embaixadas para divulgar informações falsas a dezenas de milhares de seguidores no Twitter, YouTube, Facebook e no aplicativo de mensagens Telegram. De acordo com o grupo de pesquisa de desinformação israelense FakeReporter, as embaixadas russas criaram pelo menos 65 novos canais de Telegram desde o início da guerra. O Twitter parou de recomendar essas contas esta semana.

A Fox News e outros meios de comunicação americanos de direita também adotaram os pontos de discussão da Rússia – principalmente quando o apresentador da Fox Tucker Carlson, no mês passado, promoveu para seu público no horário nobre a alegação infundada de que a Ucrânia estava desenvolvendo armas biológicas com a ajuda do governo dos EUA.

De acordo com pesquisadores de desinformação e o grupo de verificação de fatos PolitiFact, essa alegação, que circula há anos, é uma referência enganosa a uma parceria de pesquisa em saúde pública entre os Estados Unidos e a Ucrânia; a Casa Branca o chamou de “absurdo”.

Na semana passada, o New York Post escreveu um artigo vinculando a desacreditada alegação ligada ao filho do presidente Biden, Hunter, que dizia que o jovem Biden ajudou a garantir fundos para uma start-up que trabalhava nos biolaboratórios de pesquisa na Ucrânia. O Washington Post informou que Hunter Biden “não fez parte de uma decisão” de investir na start-up.

Enquanto isso, comunidades online altamente ativas, como ativistas antivacinas e adeptos do movimento radicalizado QAnon, aproveitaram a alegação do biolab e outras narrativas russas. Um propagador precoce e prolífico da teoria, de acordo com o Anti-Defamation League, era um homem da Virgínia com laços com o QAnon.

1 bilhão de seguidores

A China é, de longe, o maior promotor do Kremlin, no entanto. Os quatro principais meios de comunicação chineses – CGTN, Global Times, Xinhua News e T-House – comandam uma audiência massiva com uma contagem combinada de seguidores no Facebook de 283 milhões, de acordo com pesquisa do Center for Countering Digital Hate (CCDH). Ao todo, os meios de comunicação chineses no Facebook têm mais de 1 bilhão de seguidores, de acordo com a Alliance for Securing Democracy – muito mais do que os cerca de 85 milhões de seguidores totais dos principais canais da Rússia.

Questionado sobre como o Facebook estava abordando o surgimento da China como um vetor para a propaganda russa, o Facebook compartilhou vários exemplos de verificações de fatos aplicadas a conteúdo pró-russo enganoso da mídia estatal chinesa. A empresa não respondeu a perguntas sobre se restringiu contas de mídia estatal chinesa ou tem planos de fazê-lo.

A porta-voz do Twitter, Madeline Broas, disse que a empresa impôs alguns limites à mídia estatal chinesa por vários anos e que – desde sexta-feira passada – começou a colocar rótulos altamente visíveis em qualquer tuíte que contivesse um link para a mídia estatal chinesa (anteriormente, esses rótulos eram exibidos apenas para pessoas que pesquisavam a conta).

O YouTube se recusou a responder perguntas sobre a mídia estatal chinesa. A porta-voz Elena Hernandez disse que a empresa verifica informações erradas e proíbe conteúdo que minimize, banalize ou negue a existência de eventos históricos violentos e bem documentados.

A Embaixada da China em Washington não respondeu a um pedido de comentário.

A China e a Rússia são aliadas há muito tempo, desde a Guerra Fria, e veem sua aliança como um baluarte contra o poder ocidental. Os dois países fortaleceram seus laços antes da invasão da Ucrânia, emitindo uma declaração conjunta em 4 de fevereiro descrevendo seu relacionamento como uma amizade “sem limites”.

A Rússia se recusou a reconhecer a invasão, referindo-se às suas ações na Ucrânia como uma “operação especial”. A mídia estatal chinesa imediatamente adotou esse termo, de acordo com o rastreador da Alliance for Securing Democracy, com contas chinesas usando-o 180 vezes entre 24 de fevereiro e 12 de março.

O termo “invasão” foi mencionado 145 vezes, mas mais de um terço foram referências à invasão do Iraque pelos EUA – uma tentativa de igualar as ações militares russas e americanas.

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