Dando continuidade à série de reportagens sobre o escândalo do cancelamento irregular de mais de 2 mil multas na Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito ( Strans ) de Teresina, o GP1 divulga, com exclusividade nesta quarta-feira (7), detalhes do inquérito instaurado pela Polícia Civil do Piauí. A investigação apura irregularidades ocorridas no ano passado, durante a gestão do agora ex-prefeito Dr. Pessoa (PRD).

O inquérito foi instaurado no dia 11 de abril pelo delegado Ferdinando Martins, do Departamento de Combate à Corrupção (DECCOR). As autoridades policiais iniciaram a investigação a partir do relatório confeccionado por uma comissão de servidores da Strans, que identificou o cancelamento suspeito de 2.215 infrações de trânsito por três terceirizados do órgão, que provocou um prejuízo estimado em cerca de meio milhão de reais aos cofres públicos.

Foto: Lucas Dias/GP1
Prefeito Dr. Pessoa
"Desejo amor para todos", diz Dr. Pessoa aos teresinenses

As multas foram anuladas entre fevereiro e junho do ano passado. Entre os beneficiados com autos de infração cancelados, estão servidores públicos, empresários e empresas que prestam serviços a diversos setores da administração pública.

Relatório

Foto: GP1
Strans fez o isolamento da área

A comissão que elaborou o relatório foi instituída em julho do ano passado por determinação do então gestor da Strans, Coronel Edvaldo Marques, para apurar denúncias de cancelamentos irregulares de multas. O objetivo era examinar detalhadamente os processos de arquivamento de Autos de Infrações de Trânsito (AITs), identificar os responsáveis, mapear os beneficiados e propor medidas para evitar recorrências.

O grupo analisou dados extraídos do Sistema RADAR SERPRO e do Sistema SEI, e também fez consultas ao PJe do Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI). A análise abrangeu 2.419 infrações canceladas, das quais 2.215 (91%) foram classificadas como suspeitas. As infrações mais frequentes incluíam excesso de velocidade (530 casos), uso de faixa exclusiva para transporte público (522 casos) e avanço de sinal vermelho (185 casos).

Segundo o relatório da Strans, as multas canceladas totalizam R$ 503.210,17 (quinhentos e três mil, duzentos e dez reais e dezessete centavos).

Beneficiados

No decorrer dos trabalhos, a comissão descobriu autos de infração de trânsito arquivados/cancelados indevidamente em nome de pessoas jurídicas e que, em alguns casos, supostos sócios dessas empresas também tiveram veículos de sua propriedade beneficiados.

Além das pessoas jurídicas beneficiadas, o relatório revela ter encontrado veículos registrados em nome de servidores da Prefeitura de Teresina.

Funcionários terceirizados envolvidos

A apuração identificou três servidores terceirizados como principais responsáveis pelos cancelamentos indevidos. Somente um deles arquivou 1.628 infrações, totalizando R$ 367.486,64 – 73% do valor total das multas canceladas. Outros dois foram responsáveis por 254 e 333 cancelamentos, respectivamente, somando cerca de R$ 135 mil em multas anuladas.

A comissão realizou um estudo metódico para verificar a existência de processos de busca e apreensão de veículo (em desfavor dos proprietários), visto que o arquivamento/cancelamento autos de infração permite que os veículos possam ter o licenciamento anual em dia. Segundo o relatório, isso obstrui o trabalho da Justiça, que passa ter dificuldades de fazer a apreensão desses veículos em operações de trânsito. Também foi verificada possível existência de processos criminais em desfavor dos proprietários/condutores de veículos beneficiados.

Finalizada a apuração, a comissão concluiu pela materialidade do crime de inserção de dados falsos em sistema de informações, não restando dúvidas quanto a autoria, o que deve ser confirmado mediante investigação policial.“Esta Comissão não tem competência para formar juízo de culpabilidade, vez que há nuances jurídicas que podem [até mesmo] incorrer em excludente de ilicitude, vez que esta Comissão observara que todos os responsáveis pelo arquivamento/cancelamento de AITs são servidores terceirizados e, mesmo que hipótese de redução ao absurdo (em respeito ao Princípio Constitucional da Presunção da Inocência) pode ter agido supostamente sob coação moral irresistível ou em estrita obediência a ordem, o que somente o Judiciário tem competência para aquilatar”, consta no relatório.

Entre as orientações ao final da auditoria, a comissão recomendou o afastamento dos funcionários identificados das funções de gerência de gestão de trânsito, com o bloqueio dos acessos ao Sistema SEI e Sistema Radar, bem como o desarquivamento dos autos de infração de trânsito cancelados indevidamente. O grupo também orientou pela realização de uma auditoria para aprofundar a apuração dos fatos.

Por fim, o grupo de servidores recomendou o registro de Boletim de Ocorrência, para que o caso fosse investigado pela polícia. A comissão destacou a necessidade de apurar se os funcionários terceirizados agiam sozinhos ou por determinação de superiores. Há também que se investigar se os proprietários de veículos beneficiados ofereceram vantagem indevida para que as multas fossem canceladas.

Inquérito

Na portaria de instauração do inquérito, o delegado Ferdinando Martins considerou que alguns fatos apresentados no relatório da Strans sugerem indícios de crimes de associação criminosa e também o de inserir e/ou excluir dados de sistema de informática. Esses, a princípio, são os ilícitos penais que podem ter sido praticados, o que não descarta o surgimento de outros crimes no decorrer da investigação.

Outro lado

Procurado pelo GP1 , o ex-prefeito Dr. Pessoa não quis se manifestar sobre o caso.