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Jovens, moto, velocidade e álcool: uma epidemia e suas consequências em Teresina

A grande quantidade de motos circulando e de condutores mal preparados trouxe uma séria consequência para todos que dependem da rede pública de saúde em Teresina.

13 de janeiro de 2009. Essa data jamais será esquecida pelos amigos e familiares de Marcos Danilo Aguiar Brito, 18 anos. Um menino estudioso e determinado, que teve a vida interrompida ao sofrer um acidente de trânsito, quando comemorava sua aprovação no curso de ciências contábeis na Universidade Estadual do Piauí. ( imagem ao lado).
Imagem: Blog do Tony SilvaClique para ampliarDanilo logo após o acidente(Imagem:Blog do Tony Silva)Danilo logo após o acidente

“ Nós estávamos na festa de comemoração dele(Danilo) quando por volta das 21 horas, ele saiu de moto com um amigo para comprar cerveja. Lembro que nós perguntamos a ele por que iria comprar cerveja longe de casa se na residência da minha irmã, que fica ao lado, havia um frízer cheio de bebida? Mas ele disse que voltaria logo e minutos depois o que chegou foi a triste notícia..”, lembra a tia, Lúcia Maria.

De acordo com populares que presenciaram o acidente, Danilo conduzia uma moto sem capacete e ao tentar desviar de um ciclista, perdeu o controle da motocicleta e colidiu com uma farmácia. Marcos Danilo bateu com a cabeça em um balcão de vidro, sofrendo vários cortes. A vítima veio a óbito no próprio local. O amigo de Marcos e o ciclista foram socorridos e levados para o hospital por uma ambulância do SAMU ( Serviço de de Atendimento Móvel de Urgência). Tudo isso, aconteceu a poucos metros de sua casa ,no bairro Poty Velho, zona norte de Teresina.

“ Saímos da festa correndo até o local do acidente, quando cheguei na farmácia eu não acreditei que era o Danilo, deitado em cima de vários produtos e com uma aparência de quem estava dormindo. Foi muito triste, saber que horas depois, aquelas mesmas pessoas que estavam reunidas comemorando, felizes, estavam reunidas em velório”, diz a amiga, Ana Lúcia.

Se estivesse vivo, Danilo possivelmente teria um futuro brilhante pela frente, já que um mês após a tragédia, a família de Danilo recebeu com muita tristeza as aprovações do jovem no curso de matemática na Universidade Federal do Piauí e na Escola de Sargentos da Aeronáutica (ESA). “Minha irmã e o esposo dela até hoje nunca conseguiram superar essa perda, e acho que nunca vão superar, eles perderam um filho brilhante, um menino de ouro”, diz a tia de Danilo.

Imagem: Gilcilene AraújoClique para ampliarRomário da Silva(Imagem:Reprodução)Romário da Silva
Quem também não esquecer a cena de tragédia que viveu é o jovem, Romário da Silva, 24 anos, Ao atravessar em um sinal vermelho em uma moto, no cruzamento das Avenidas Miguel Rosa com Avenida Maranhão, no centro da capital, Romário colidiu com transporte coletivo da empresa Piauiense, da linha Universidade Circular. “ Foi sorte eu sair vivo daquele acidente, eu fiquei embaixo do ônibus, a moto ficou acabada. Eu sei que estava errado, vinha de uma festa, tinha bebido um pouco e não quis parar no sinal vermelho. Eu vi o ônibus, mas imaginei que daria tempo eu passar, me enganei”, lamenta jovem. O engano de Romário lhe custou uma perna quebrada e três meses usando gesso, sem poder pisar no chão.

Para Romário o fato de sair vivo do acidente que sofreu é um sinal de que o dia da sua morte ainda não chegou. “ Continuo bebendo minha cerveja com meus amigos no final de semana. Só que agora sou mais cauteloso, paro em todos os semáforos, uso meu capacete”, diz o jovem que durante a entrevista, um domingo, está bebendo com vários amigos em sua residência. Todos os amigos estão conduzindo motocicletas e mesmo após a bebedeira afirmam estarem “ bem” para pilotar seus veículos.
Pilotar sob a influência de álcool ou entorpecentes é crime. As punições para esse tipo de infração são varias: detenção de seis meses a três anos; suspensão da Carteira Nacional de Habilitação por 12 meses; multa de R$ 957,70; retenção do veículo até a apresentação de um condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. Entretanto, mesmo com todos esses tipos de penalidades o número de motociclistas pilotando sob a influência de álcool é grande.

SAMU é bastante solicitado

- Alô, Samu!
- Samu? Foi um acidente aqui na Avenida João Isidoro França com a Castelo do Piauí , no Itaperu, num cruzamento.
- O que foi que houve aí?
- Acidente grave, duas motos bateram de frente.
- Foi agora?
- Foi agora.
- Tem algum sangramento?
- Tem sangramento. Os três jovens estão com muito sangramento, uma menina e dois rapazes.
- Onde?
- Na boca. Ela “tá” começando a ficar roxa.

A ligação acima foi realizada pela irmã de Iandreara de Sousa, Tatiana. Ela solicitava ajuda da central do Samu, às 20h30 de um domingo de maio, dia das mães. Quinze minutos depois, uma ambulância UTI e um carro de apoio do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência chegaram ao local do acidente. “Onde estão o motoqueiros ?”, perguntou o médico. A resposta estava a cerca de três metros dos veículos. A violência do impacto provocou o arremesso do motociclista, que ainda se chocou contra uma parede antes de atingir o chão. Aparentemente, não havia mais que escoriações. Mas o jovem, Carlos do Nascimento (21 anos) sofreu uma grave hemorragia interna. Sua história terminou naquele cruzamento, no mesmo dia do seu aniversário. Minutos antes de o socorro chegar. Carlos usava capacete. O acessório voou da cabeça. Valeu a máxima de que “para-choque de moto é o motoqueiro”.

Ao constatarem a morte de Carlos, o médico dirigiu-se a estudante Iandreara, que estava a cerca de dois metros do local onde ocorreu a batida. “ Não lembro como tudo aconteceu, lembro apenas sendo arremessada do local da batida e sentido muita dor. Eu passei por cima do meu amigo, que pilotava a moto”, relata a estudante.

Imagem: Gilcilene AraújoIandreara(Imagem:Gilcilene Araújo)Iandreara

O amigo da jovem teve ferimentos leves e foi levado pelos amigos para o Hospital do Buenos Aires, já que populares queriam linchar o rapaz acusando - o de ser responsável pela morte de Carlos do Nascimento. Iandreara fraturou o maxilar, ficou 15 dias internada no Hospital de Urgência de Teresina, esperando para realizar uma cirurgia. Durante esse tempo no hospital, a estudante passou três dias no corretor, devido ao grande número de pacientes internados pelo mesmo motivo: vítimas de acidente de trânsito envolvendo motocicleta.

Retratos de uma geração perdida

Imagem: ReproduçãoClique para ampliarCampanha(Imagem:Reprodução)Campanha
Danilo, Romário, Iandreara e Carlos Nascimento hoje fazem parte das estatísticas. Em Teresina há cerca de 120 mil motocicletas, sendo os jovens a maioria dos condutores. Assim como estão no grupo dos que mais possuem motocicletas, os jovens também estão entre os que mais sofrem acidentes ao conduzirem uma motocicleta.

De acordo com dados do projeto “Vida no Trânsito”, os jovens na faixa etária dos 18 a 25 anos representam uma parcela significativa das vítimas de acidentes com motocicletas quando os fatores determinantes são: velocidade, álcool e visibilidade. Não importa qual dia da semana, seja uma segunda-feira ou finais de semana os jovens são a maioria das vítimas.

“Os jovens confundem diversão com perigo, prazer com risco de vida e emoção com imprudência. Eles acham que nunca sofreram um acidente, contudo, eles precisam aprender que trânsito é cidadania e educação. Se o jovem faz parte do grupo que dos não têm limites, fica mais difícil para ele entender, que precisa respeitar os outros. Mas uma boa formação seja familiar ou dentro das autoescolas pode ajudar a mudar ou pelo menos diminuir as estatísticas desse grupo”, explica à coordenadora de Educação no Trânsito da Superintendência de Trânsito de Teresina, Strans, Audea Lima.

Os acidentes com motocicletas fizeram 500 vítimas no Piauí, entre mortos e feridos, nos primeiro seis meses de 2011 – de janeiro a junho. Dados do DETRAN-PI afirmam que no ano passado, foram registrados 3.426 acidentes com motociclistas, sendo que 1.062 ocorreram na capital, 1.424 no interior do Estado, 186 em rodovias estaduais e 754 em rodovias federais. O número de motociclistas mortos no trânsito do Piauí é mais do que o dobro das outras vítimas fatais do tráfego. No ano passado morreram 801 pessoas no trânsito, sendo que 412 foram motociclistas.

Solução para muitos, problema para todos

Uma epidemia. É assim que muitos agentes de trânsito em Teresina descrevem o crescente número de motocicletas circulando nas avenidas e ruas da cidade. São pessoas que melhoraram de renda per capita e não querem mais depender do transporte coletivo. A grande quantidade de motos circulando e de condutores mal preparados trouxe uma séria consequência para todos que dependem da rede pública de saúde em Teresina.

Atualmente, no Hospital de Urgência de Teresina, 70% dos casos atendidos são relativos a acidentes com motociclistas: 80% deles morrem e quem sobrevive, em geral, têm sequelas graves.

Imagem: Gilcilene AraújoHUT(Imagem:Gilcilene Araújo)HUT

"Teresina é a quinta capital com trânsito mais violento do Brasil. As pessoas têm de parar de pensar que os crimes cometidos no trânsito não serão punidos, porque vão ser punidos sim! Os acidentes acontecem com motociclistas por conta da falta de prudência", lamenta Marlúcia Gomes Evaristo, promotora de Justiça, durante recente campanha contra acidente no trânsito na capital.

O Hospital de Urgência de Teresina está superlotado como todas as grandes emergências de trauma da região, com leitos e corredores tomados por acidentados com motos - que não param de chegar. Dentro desse hospital, o cenário remete a uma guerra. São homens e mulheres, sobretudo jovens, com lacerações, amputações, fixadores de aço e fêmures fraturados. É absolutamente comum entrar em enfermarias ocupadas só por acidentados de motos.

Flagrantes de uma epidemia que devasta uma geração. Histórias que se parecem. Que se repetem. Quase sempre as mesmas causas. Quase sempre as mesmas consequências - desastrosas para elas e para cidade. Em Teresina não é mais só a violência que preocupa o prefeito da cidade, Elmano Férrer, médicos e gestores de hospitais. Eles nem pensam duas vezes ao definir: o maior e mais grave problema de saúde pública da cidade agora é a moto.

"Estamos diante de uma epidemia incontrolável. Estamos assustados. Não sabemos o que fazer. Quanto mais se opera, mais gente tem na lista de espera", diz um dos médicos plantonistas do HUT, que prefere não se identifica.

Imagem: ReproduçãoClique para ampliarCoordenadora da Strans, Audea Lima(Imagem:Reprodução)Coordenadora da Strans, Audea Lima
Ainda há esperança


Na opinião da coordenadora da Strans, Audea Lima, só campanhas educativas não bastam para diminuir o número de vítimas do(no) trânsito em Teresina, é preciso a presença familiar para o jovem entender que há uma vida coletiva no trânsito, que ele “não é o centro do mundo”. “Estamos fazendo nossa parte, várias campanhas educativas estão sendo realizadas, mas a principal “arma” para combater esse uso desfreado de motocicletas, em alta velocidade, misturado com álcool pela juventude é a educação familiar, é a preparação das autoescolas, um bom centro de formação de condutores ajuda a evitar muitos acidentes. Caso contrário, muitos vão continuar aprendendo pela dor”, já diz o ditado popular “ é melhor aprender com amor do que com a dor”.

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