Fechar
GP1

Política

Deputados aprovam processo de impeachment do presidente do Chile

Sebastián Piñera é acusado de envolvimento em negócios ilícitos em paraísos fiscais.

A Câmara dos Deputados do Chile aprovou nesta terça-feira, 9, a abertura de um processo de impeachment contra o presidente Sebastián Piñera, pelo seu suposto envolvimento em negócios ilícitos em paraísos fiscais, envolvendo a venda venda de propriedades privadas e de uma mineradora quando já era presidente, revelado pela investigação Pandora Papers. Após um sessão que durou mais de 20 horas, a denúncia foi aprovada pelo placar de 78 votos a favor, 67 contra e 3 abstenções, fazendo com que a ação avance para o Senado, que tem a competência de julgar diretamente a destituição do presidente segundo a Constituição chilena.

A acusação constitucional, como é conhecido no Chile este recurso que busca a destituição do presidente, foi apresentada em outubro pela oposição de esquerda ao governo Piñera. A oposição precisava de exatos 78 votos dos 155 possíveis no plenário da Câmara para a aprovação da abertura do impeachment e, embora a centro-esquerda tenha 83 votos na câmara baixa do Congresso chileno, vários oposicionistas votaram contra.

Com a aprovação, os senadores têm agora um prazo máximo de seis dias para abrir o processo na câmara alta do Parlamento. Para que Piñera seja afastado, a oposição precisa conquistar o voto de 29 dos 43 senadores - cenário é pouco provável, uma vez que a base oposicionista tem apenas 24 cadeiras na Casa Legislativa, e considerando que mesmo na Câmara, onde havia uma maioria confortável, a vitória foi alcançada pelo limite mínimo.

Mesmo a vitória na Câmara só foi alcançada após uma manobra da oposição. Para garantir a presença no plenário do deputado de centro-esquerda Giorgio Jackson, que cumpria o último dia de quarentena devido a uma suspeita de covid-19, o deputado socialista Jaime Naranjo leu, por cerca de 15 horas, 1.300 páginas da acusação e de documentos para justificar a ação legislativa. A leitura começou às 10h25 da segunda-feira, 8, e só foi concluída depois da meia-noite, quando Jackson pode se deslocar para o Congresso.

"Tem gente que acredita que o que aconteceu ontem e hoje nesta Câmara é vergonhoso, mas acho que o vergonhoso é ter um presidente que especula [utilizando o cargo]", disse Jackson pouco antes da votação. Já o deputado governista Andrés Molina afirmou que "assistimos a uma sessão que a mim, pessoalmente, me envergonha (...) aqui ninguém escutou nada. Mais uma vez demos um espectáculo tremendo".

Além do caso envolvendo Giorgio Jackson, lideranças governistas também criticaram a participação do deputado Jorge Sabag na sessão. O parlamentar, que aguardava o resultado de um teste PCR, entrou no Congresso por uma porta lateral para evitar autoridades sanitárias que o aguardavam na porta principal. Havia uma indicação de que Sabag deveria esperar o resultado do teste para comparecer ao plenário.

Já na madrugada de terça-feira, o advogado de Piñera, Jorge Gálvez, interveio por mais de quatro horas, em que disse que o plenário teria "o dever de começar por uma investigação", não podendo "começar [o processo de impeachment] por deduzir uma acusação constitucional que não investigou".

"Eu peço, ilustres deputados e deputadas, que rejeitem esta injusta e improcedente acusação constitucional", disse Gálvez ao concluir sua fala na Câmara. Se o afastamento de Piñera for confirmado pelo Senado, o atual presidente ficaria inabilitado a assumir cargos públicos pelo resto da vida, segundo a lei chilena.

O caso contra Piñera

A acusação constitucional contra o presidente partiu de um grupo de 16 deputados de esquerda e centro-esquerda após a divulgação dos chamados Pandora Papers, uma investigação jornalística internacional que revelou negócios de mais de 300 pessoas usando empresas off-shore em paraísos fiscais - um deles, Piñera.

Segundo investigação dos meios de comunicação chilenos Ciper e LaBot, que integram as reportagens sobre os Pandora Papers do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), a mineradora chilena Dominga foi vendida ao empresário Carlos Alberto Délano, amigo de Piñera, por US$ 152 milhões (R$ 838 milhões em valor atual) em um negócio efetuado em parte nas Ilhas Virgens Britânicas.

O pagamento da operação deveria ser feito em três cotas e continha uma cláusula que condicionava o último pagamento ao "não estabelecimento de uma área de proteção ambiental na região de operações da mineradora, como desejavam grupos ambientalistas". Segundo a investigação, quando Piñera já era presidente, em 2010, seu governo acabou por não proteger a área da mina, o que significa que o terceiro pagamento foi efetuado.

Após os documentos virem a público, o presidente afirmou que não teve conhecimento da venda da mineradora, pois colocou seus ativos em um fundo "blind trust" em 2009, antes de iniciar seu primeiro mandato. Além disso, alega que o tema é uma "coisa julgada", pois os fatos foram "investigados" pelo MP e indeferidos pelos tribunais em 2017. No entanto, o MP afirmou que não há "coisa julgada", pois a venda não estava incluída na causa.

Ao destacar que no caso Dominga aconteceu uma suposta negociação incompatível com o cargo, Jaime Naranjo declarou: "Atuando como presidente, [Piñera] se beneficiou e [à] sua família de forma direta, com as informações que tinha no exercício de seu cargo. E continuou negociando e fez subir o preço".

Impeachment outra vez

Esta é a segunda vez que Piñera é alvo de um processo de impeachment durante o atual mandato. A primeira foi no final de 2019, quando o presidente foi denunciado por violações de direitos humanos durante a repressão a manifestantes nos protestos massivos que eclodiram no país, principalmente contra uma proposta de reforma tributária apresentada pelo governo.

A acusação constitucional chegou a ser apresentada, mas não teve os votos necessários na época. O processo, contudo, levou a uma crise no "Piñerismo", derrubando a popularidade do presidente para um patamar próximo a 10% de aprovação - o menor número alcançado por um presidente democraticamente eleito no país após a queda da ditadura Pinochet.

Mais conteúdo sobre:

Ver todos os comentários   | 0 |

Facebook
 
© 2007-2024 GP1 - Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do GP1.