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CASO BETH CUSCUZ: O mundo perplexo com o deboche feito a Aspásia


*Por Miguel Dias Pinheiro

Estudiosos e historiadores devem ter levado as mãos à cabeça diante da nomenclatura adotada pela Polícia Civil do Piauí à operação que levou ao xadrez Beth Cuscuz e Carlão na investigação sobre prostíbulos de Teresina.

O fato, então, não deixa de ser um “deboche” e coloca o mundo inteiro perplexo diante dessa inconsequencia, quando usou-se o nome da célebre Aspásia, a segunda companheira de Péricles, para designar como criminosas prostitutas de cabarés.

Vem cá! Em Teresina, na terra do nosso imortal Carlos Said, quem seria mesmo a nossa Aspásia? E o nosso Péricles, então?

Registros históricos nos ensinam que Péricles foi um célebre e influente estadista, orador e general da Grécia Antiga, um dos principais líderes democráticos do mundo à época e a maior personalidade política do Século V, antes de Cristo. Viveu durante a Era de Ouro de Atenas, mais especificamente durante o período entre as guerras Persas e Peloponésica. E teve uma influência tão profunda na sociedade ateniense, que Tucídides, um historiador contemporâneo seu, o declarou "o primeiro cidadão de Atenas”. Promoveu as artes e a literatura num período em que Atenas tinha a reputação de ser o centro educacional e cultural do mundo.

Péricles foi um gerneral, político e orador ateniense que soube rodear-se das personalidades mais destacadas da época, homens que sobressaíam-se na política, filosofia, arquitectura, escultura, história, literatura e estratégia. Fomentou as artes e as letras e deu a Atenas um esplendor que não se voltaria a repetir ao longo da História. Realizou também grandes obras públicas e melhorou a qualidade de vida dos cidadãos.
Imagem: Divulgação/GP1Advogado Miguel Dias(Imagem:Divulgação/GP1)Advogado Miguel Dias
Separado da esposa, tomou Aspásia - sua amante - como nova companheira, com quem teve um filho. Péricles não casou com Aspásia porque as leis da época não permitiam (ou seja, casamento de atenienses com estrageiros: Aspásia era de Mileto, hoje Turquia, na Àsia).

Aspásia é citada na Suda, uma enciclopédia bizantina do século X, por dispor de "habilidades e inteligência em relação às palavras", uma verdadeira sofista. E de ter ensinado retórica. Sofistas eram grupos de mestres que viajavam de cidade em cidade realizando aparições públicas (discursos, reuniões, etc) para atrair estudantes. Os mestres sofistas alegavam que podiam "melhorar" seus discípulos, ou, em outras palavras, que a "virtude" seria possível de ser ensinada. Tida como muito bonita, inteligente, bem falante e, sobretudo, historicamente lembrada por ter tido importante influência sobre os destinos políticos do governo da época.

Foi dentro desse contexto, dessa realidade, que viveu Aspásia, que acabou influenciando Péricles em suas retóricas públicas.

Aspásia, segundo ainda os registros históricos, inaugurou uma escola para jovens mulheres de boas famílias e que teria sido responsável pela invenção do método socrático, que consistia na técnica de investigação filosófica feita no diálogo entre o professor e o aluno no processo de reflexão e descoberta dos próprios valores.

Ao lado de Diotima de Mantinea - uma filósofa e sacerdotisa grega com papel importante na vida de Platão -, Aspasia é referida por Sócrates como uma das mais importantes personalidades a orientá-lo em seu desenvolvimento intelectual e filosófico, sobretudo na arte da retórica.

No influente círculo filosófico e político de Atenas, Aspásia promovia reuniões literárias em sua casa e participava do debate político da época. Pela crença de que teve grande influência sobre o marido, foi acusada de ter sido responsável pela Revolta de Samos (440 a. C.) contra Atenas e pela Guerra do Peloponeso (431-404 a. C).

Portanto, a escolha do nome Aspásia para designar uma operação policial em prostíbulos de Teresina, desprestigia a história grega, macula a imagem da segunda mulher de Péricles e debocha até mesmo da história antiga, berço de todas as civilizações. Uma agressão inominável!

No Piauí, inúmeros pais – que conhecem a história antiga - devem está chocados com a atitude da polícia. Não por ter prendido pessoas que cometiam ou cometeram crimes, mas por colocar inadvertidamente o nome de Aspásia em operações sobre prostituição, desvirtuando completamente a história da segunda mulher de Péricles. Que absurdo! E triste!
Imagem: DivulgaçãoAspásia Brasileiro Alcântara de Camargo(Imagem:Divulgação)Aspásia Brasileiro Alcântara de Camargo
O que diria, então, Aspásia Brasileiro Alcântara de Camargo (foto), nascida no Rio de Janeiro, socióloga, ambientalista, professora e política brasileira. Como professora de Sociologia e Ciências Políticas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e da Fundação Getúlio Vargas, ela criou o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil e o Centro Internacional de Desenvolvimento Sustentável, órgãos voltados para os estudos, a reflexão, a promoção e a disseminação do conceito de desenvolvimento sustentável.

O que diria, também, a médica brasileira Aspásia Pires, nascida no Recife, que participou da Época de Ouro do Hospital Barão de Lucena, onde trabalhou por mais de 20 anos. Educada em Recife, iniciou medicina na Universidade Federal de Pernambuco, e ainda estudante, começou a freqüentar a Maternidade do Derby e da Encruzilhada. Especializou-se em Ginecologia e Obstétrica pela Associação Médica Brasileira. É sócia fundadora da Cooperativa dos Médicos Ginecologistas e Obstetras de Pernambuco.

Portanto, o nome Aspásia significa esplendor, beleza, sabedoria, inteligência, influência, poder de comando,... Jamais significou vulgaridade, prostituição ou coisa que o valha!

Meu Deus, o Piauí é mesmo essa vergonha! Nosso anedotário não nos larga... É impregnado... É uma praga... E de rachar os nervos!

*Miguel Dias Pinheiro é advogado

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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