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*Arthur Teixeira Júnior
Imagem: GP1Arthur Teixeira(Imagem:GP1)Arthur Teixeira

Aquele “orelha seca” vendeu-me uns panos “feitos nas coxas” e eu “fiquei a ver navios”. É um “amigo do onça”! - Em uma única indignação, quatro expressões idiomáticas que talvez os mais jovens não saibam o que significam, ou imaginam um significado distante do original. Lembrei-me destas expressões quando meu adolescente filho, serelepe porta a fora, afirmou que iria “marcar o ponto” na casa da namorada.

No tempo do Império, as ferrovias não dispunham de meios eficazes de comunicação entre as estações, distantes entre si. O chefe da estação ordenava ao funcionário menos qualificado que encostasse o ouvido nos trilhos para prever se o trem já estava próximo. Por vezes os trilhos estavam escaldantes, sob o sol forte das tardes de verão. Daí a expressão ”orelha seca”, em referência a algum profissional pouco ou mal qualificado, o mais baixo na hierarquia.

Ainda naquela época, os escravos produziam telhas de barro para a cobertura das casas das fazendas e vilas, artesanalmente. Usavam como molde as próprias coxas, desnudas. Como cada um tinha suas próprias coxas, por vezes não totalmente semelhantes, cada telha era produzida em um tamanho e formato diferente. A expressão “feito nas coxas” não tem nada de erótico e muito menospornográfico. Significa algo produzido sem padronização ou capricho.

Quando a família real, sob o comando de D. João e sua mãe Maria I, a rainha louca, fugiu desavergonhadamente de Lisboa, acovardada e escorraçada pelas tropas de Napoleão, o fez na calada da noite, sorrateiramente. Ao amanhecer, os súditos de sua alteza fujona, abandonados, ficaram as margens do Tejo “a ver navios” que já alcançavam o Atlântico.
No começo do século XX, a polícia da antiga Capital do Brasil era comandada com mão de ferro por um truculento delegado apelidado de “O Onça”. Ser “amigo do onça” (no masculino) significa ter amizades perigosas e ser comparado a elas.

E, finalmente, eu bati muito ponto, nos antigos relógios Rod-Bell. Enormes, munidos de várias fechaduras que tentavam protege-los de fraudes, geralmente eram instalados logo na porta das fábricas e escritórios. Tinham ao lado enormes porta cartões, as famosas chapeiras. O empregado pegava seu cartão de ponto, introduzia-o no relógio e acionava uma reluzente alavanca. Um alto e agudo sinal metálico, tipo sineta, anunciava que seu cartão fora marcado, com o dia e a hora de entrada ou saída, em vermelho, se fora de prazo estivesse. Não encontrar o cartão na chapeira significava que tinha sido sumariamente demitido. Não encontrar o cartão na chapeira era o pesadelo de todo operário, que não “marcava mais o ponto”.

De uns dez anos para cá nunca mais vi os Rod-Bells e suas chapeiras, mas relógios digitais e bem menores. Passávamos por eles nosso crachá com código de barras, e, em algum computador distante, era consignado nosso “ponto”. Assim como na época dos cartões de papel e das sinetas, quando era comum um empregado “marcar o ponto” de algum colega atrasado ou que não viria naquele dia, na fila de entrada e saída testemunhávamos alguns colegas passando pela ranhura do relógio digital diversos crachás diferentes.

Os empregadores, indignados, adotaram então o “relógio biométrico” onde é identificada a própria digital do empregado. Desconheço algum colega que tenha amputado seu próprio polegar para pedir a algum colega que marque o seu ponto. Ouvi falar de dedos moldados em silicone, mas nunca os vi. Acredito ser folclore.

Mas nesta semana, enquanto aguardava, junto com meu cunhado, que fosse encontrada a chave da porta da sala onde ele trabalha, perdida pela enésima vez, já que, apesar de trabalhar em um prédio “último tipo” (depois explico esta expressão), as chaves ainda são guardadas todas misturadas em vários copos plásticos debaixo do balcão da portaria (ninguém foi capaz de pensar na modernice de um armário com um prego para cada chave devidamente identificada), observei que alguns colegas estacionavam o carro no pátio (que ainda não tem vagas suficientes demarcadas para todos os portadores de deficiência que lá trabalham). Entrando pela porta da esquerda, marcavam o ponto biométrico, e saiam tranquilamente pela porta da direita. Ocupam vaga no estacionamento e por vezes enfrentam chuva e sol para “marcarem o ponto”.

Pois fica aqui a sugestão (já que nosso o SAC lá foi desacreditado): a instalação do relógio biométrico na área externa do prédio, junto ao meio fio. Assim o funcionário marcaria seu ponto, de entrada ou saída, sem a necessidade de ocupar as disputadas vagas no estacionamento, também compartilhadas com alguns trabalhadores de indústrias vizinhas, sem mesmo a necessidade de descer de seu veículo. A salvo das intempéries e beneficiando principalmente aqueles com dificuldades de locomoção. Criaríamos um novo idiomatismo: “o ponto drive thru”.

*Arthur Teixeira Júnior é colaborador

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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