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Blog Opinião
GP1
*Por Arthur Teixeira Júnior

O que alguns colegas do clube tentaram de todas as formas por mais de 10 anos, o caprichoso destino conseguiu em segundos: tirar-me fora de combate, pelo menos temporariamente.

Um acidente despretensioso prendeu-me a uma cadeira de rodas. Certamente não definitivamente, pois se nem eles com o poder da caneta conseguiram, certamente vou sair desta, nem que padeça em fisioterapias. Mas por um longo tempo serei um cadeirante.

Confesso que nunca concordei muito com aquelas vagas diferenciadas, as mais bem localizadas, as rampinhas azuis por todos os lados, aqueles banheiros com portas enormes (e sempre trancadas) que encontramos nos supermercados e outros locais públicos.

Meu inconformismo tinha um argumento simplório: afinal, para que tudo aquilo para uma parcela tão invisível da população? Simplesmente, quantos cadeirantes você viu fazendo compras no supermercado nas últimas semanas? E no shopping? Quantos cadeirantes frequentam as piscinas do clube ou os parques e restaurantes da cidade? A explicação não é que existem poucos ou quase nenhum cadeirante no pedaço. Mas, por incrível que pareça, o cadeirante sequer consegue sair de casa!
Imagem: GP1Arthur Teixeira Júnior(Imagem:GP1)Arthur Teixeira Júnior
A calçada defronte minha casa, que na verdade é de minha responsabilidade, é inclinada, esburacada e desnivelada em relação às calçadas dos vizinhos e a rua. Não há rampas para nenhum lado, sem contar que um degrau de quase um palmo separa a minha casa desta calçada.

Desisti de tentar ir comprar um refrigerante no boteco que fica do outro lado da rua. Seria impossível chegar lá, mesmo com ajuda.

Pois decidi, corajosamente, ir ao supermercado. De taxi. O primeiro taxi que atendeu a chamada, recusou a corrida, alegando que não teria ajuda no destino para desembarcar-me.

O segundo, após alguma insistência, concordou em levar-me, em troca de um acréscimo na tarifa. A vaga reservada para deficientes estava ocupada por um veículo sem qualquer indicação que pertencesse a alguém com dificuldades de locomoção. Pelo contrário: rodas esportivas e uma enorme aparelhagem de som ocupando todo o porta malas faziam crer tratar-se de um “vida mansa” qualquer.

Desembarcado e abandonado no meio do estacionamento, conduzi minha cadeira pelas rampas até deparar-me com a entrada da loja. Uma longa escada separa-me das gôndolas. A única opção seria vencer o desnível por uma íngreme rampa com dois lances de cerca de 15 metros cada. Mas nem se eu fosse um campeão olímpico conseguiria impulsionar minha cadeira rampa acima e certamente na descida iria estabacar-me no muro do estacionamento.

As dificuldades do cadeirante começam em casa. Quando cheguei do hospital, trazido por dois dedicados amigos, toda a vizinhança saiu à rua para testemunhar o ocorrido. Mas ninguém veio ajudar a dupla a recolher meus 100 kilos para dentro de casa.

Na chegada percebi que meu universo doméstico havia sido reduzido para a sala e a cozinha, pois a cadeira de rodas não passa pelas portas dos quartos e mesmo do banheiro (quem projetou esta gaiola?). O piso do quintal impede-me de visita-lo. Uma cama de solteiro montada na sala será doravante meu local de acolhimento e vida, de onde somente saio com ajuda de terceiros.

Comecei a notar como são altas as prateleiras e os armários aqui de casa. Como está longe o filtro de água sobre a pia da cozinha. Como é difícil abrir a geladeira, sentado defronte a ela. Se alguém fechar o trinco superior das janelas, fico sem ver a luz do dia. Ir ao banheiro só sem qualquer privacidade. Escovar os dentes e aparar a barba, somente na bacia. E muito preconceito dos ditos “normais”.

Observo que as pessoas agora conversam comigo em um tom mais elevado e pausado de voz, como se o trauma houvesse afetado minha audição também. Ou meu juízo. O carteiro veio trazer-me uma encomenda: ao ver-me na cadeira de rodas, disse que não poderia fazer a entrega, pois haveria a necessidade de assinar o recibo. “Eu assino com as mãos” argumentei, para seu espanto. Enquanto eu assinava o recebimento, o carteiro emendou: “Foi um acidente?”. “Não” – respondi – “eu estava deprimido e martelei minhas pernas até esmigalhá-las”. Tenho certeza que ele foi embora acreditando nisso.

*Arthur Teixeira Júnior é colaborador


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