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Benjamim Pessoa Vale: Gleba sem fronteiras

Artigo do médico Neurocirurgião Benjamim Pessoa Vale.

Foto: Arquivo pessoalBenjamin Pessoa Vale
Benjamin Pessoa Vale

Benjamim Pessoa Vale – Neurocirurgião

Nasci num “pé de morro “, onde o sol cedo fulgura, iluminando a parte escura que o fez quando foi posto.

Em frente passa o riacho, chamado de Cacimbão, nas chuvas águas passam, acumulam no verão, servindo a todos víveres numa seca no sertão.

Andando mais alguns passos, já chegamos na lagoa, água límpida, cristalina, com sangradouro a verter. Espelho da meninada, quando queria se ver.

Olhando a lagoa e mato, pensamento em construção, denominou-se essa gleba, este trechinho de chão. Lagoa do Mato e morro era a divisão, abaixo dele a de baixo, do outro a de cima, só depois do cacimbão.

Da calçada muitas vezes ficava a imaginar, será que terra e céu se encontram em algum lugar? Hoje que esse encontro era apenas no olhar.

Da janela olhava em frente. Enxergava as catingueiras retorcidas em sol ardente, mas quando chuva caía era tudo diferente. Sapo cantando em locas, carão com canto estridente, riacho vazando águas... Os sertanejos contentes, abrindo o chão com enxadas: “meninos plantem as sementes”. E nós sonhando com os pulos no cacimbão logo em frente.

Já se vem o meio dia, à espera do almoço, “lá se vem o de comer”, gritam uns em alvoroço. Mulheres já porteiras iam e homens, recebiam. A depender das pessoas eram o número de bacias.

Bacias já ao chão na melhor sombra que havia, sentados ao seu arredor, alegres todos comiam.

O eito a nossa espera, temos que findar o dia, seja empreitada ou diárias a missão só se cumpria, terminada a empreitada ou o sol findando a dia.

Sol posto, o crepuscular se inicia trazendo seus pantins, que com esse inicia, cruzando toda noite, até o nascer do dia.

Antes de chegar em casa passamos no cacimbão, era o banho para dormida, muitas vezes sem sabão. Dávamos pulos, pinotes, mergulhos e mergulhões, juntos todos os trabalhares, incluso pai e irmãos.

A noite se faz presente, a luz elétrica ausente. Presentes as lamparinas, amarradas ou em mãos, vão iluminando vidas nas quebradas desse chão.

A mesa posta espera o término dos afazeres, vamos checando os currais, estribarias e chiqueiros, deixando presas as mães e seus filhos no terreiro.

O jantar está servido, ouvimos mãe dizer. O patriarca levanta-se e nós o seguimos em momento, quando sentam-se a mesa inicia o movimento, um vai e vem de pratos, mas em circunferências. Os mais novos com olhos atentam executam a paciência, quem se levantar da mesa tem que pedir licença.

Essa gleba, esse pedaço de chão, eu nasci e cresci junto com 14 irmãos. Sob a batuta do casal Maria Vieira e João, com educação esmerada nos ditames do sertão.

Em escola rural, sem água potável, sem energia, mas com compromisso e humanização. Me fez uma janela diferente do sertão, o avançar pelas letras, o ampliar de visão assistiu ao transformar em neurocirurgião. O menino que nas veredas andava de pé chão.

Hoje escrevo de coração, com cérebro e para corações, essa gleba sem fronteiras, a labuta nesse chão. Sem esquecer jamais o nascer e pôr do sol sertão.

Povoado Lagoa do Mato- Coelho Neto-Maranhão, és saudades, és lembranças, és paixão, desta Alma Sertaneja, menino de pé no chão. Eis me aqui repatriado.

Benjamim Pessoa Vale, 12/11 /2023 (Graduado em Química e Medicina pela Universidade Federal do Piauí. Médico neurocirurgião/ neurocirurgião endovascular do Instituto de Neurociências. Presidente voluntário da Associação Reabilitar. Coordenador do Projeto Pense Bem (Sociedade Brasileira de Neurocirurgia - SBN) em Teresina-PI. Membro e secretário do Conselho Deliberativo da SBN).

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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