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Ciência e Tecnologia

Fragmentos do planeta Mercúrio podem estar escondidos na Terra

Uma possibilidade é que o planeta era muito maior; e pode ter sido atingido por um grande objeto.

Mercúrio não faz sentido. É um pedaço de rocha bizarro, com uma composição bem diferente de seus planetas vizinhos.

“É muito denso”, disse David Rothery, cientista planetário da Open University, na Inglaterra.

A maior parte do planeta, o mais próximo do sol, é ocupado por seu núcleo. Mercúrio não tem um manto espesso como a Terra, e ninguém sabe ao certo por quê. Uma possibilidade é que o planeta era muito maior – talvez o dobro do seu tamanho atual ou até mais. Bilhões de anos atrás, esse proto-Mercúrio, ou super Mercúrio, pode ter sido atingido por um grande objeto, que arrancou suas camadas externas e deixou para trás o resto que vemos.

Embora seja uma boa ideia, nunca houve evidência direta para essa hipótese. Mas alguns pesquisadores acham que encontraram alguma coisa. No trabalho apresentado na Conferência de Ciência Lunar e Planetária em Houston, no mês de março, Camille Cartier, cientista planetária da Universidade de Lorraine, na França, e colegas disseram que pedaços desse proto-Mercúrio podem estar escondidos em museus e outras coleções de meteoritos. Estudá-los pode desvendar os mistérios do planeta.

“Não temos nenhuma amostra de Mercúrio” por enquanto, disse Cartier. Conseguir tais amostras “seria uma pequena revolução” na compreensão da história natural do menor planeta do sistema solar.

De acordo com a Sociedade Meteorítica, cerca de 70 mil meteoritos foram coletados em todo o mundo, em lugares tão remotos como o Saara e a Antártida, e hoje estão em museus e outras coleções. A maioria é de asteroides ejetados do cinturão entre Marte e Júpiter, mais de quinhentos vêm da Lua. Mais de trezentos são de Marte.

Notavelmente ausentes dessas rochas espaciais documentadas estão meteoritos confirmados dos planetas mais internos do nosso sistema solar, Vênus e Mercúrio. A principal hipótese é de que seria difícil, embora não impossível, que os detritos mais próximos do Sol e de sua gravidade conseguissem chegar mais longe no sistema solar.

Em um pequeno número de coleções de meteoritos se encontra um tipo raro de rocha espacial chamada aubrite. Batizada em homenagem ao nome da vila de Aubres, na França, onde o primeiro meteorito desse tipo foi encontrado em 1836, os aubrites têm cor pálida e contêm pequenas quantidades de metal. Eles são pobres em oxigênio e parecem ter se formado em um oceano de magma. Cerca de oitenta meteoritos aubrites foram encontrados na Terra.

Por essas razões, eles parecem corresponder aos modelos científicos das condições do planeta Mercúrio nos primeiros dias do sistema solar. “Nós costumamos dizer que os aubrites são análogos muito bons para Mercúrio”, disse Cartier.

Mas os cientistas não chegam a dizer que os aubrites sejam de fato pedaços de Mercúrio. Klaus Keil, cientista da Universidade do Havaí, em Manoa, que morreu em fevereiro, argumentou em 2010 que era mais provável que os aubrites tivessem se originado de outros tipos de asteroides do que ejetados de Mercúrio – e alguns cientistas apontam para um grupo de asteroides do cinturão chamados asteroides de tipo E. Entre suas evidências estavam sinais de que aubrites tinham sido atingidos pelo vento solar – algo contra que o campo magnético de Mercúrio deveria ter proteção.

Cartier, no entanto, tem outra ideia. E se os aubrites vieram originalmente de Mercúrio?

Seguindo a hipótese de que um objeto de tamanho considerável colidiu com um Mercúrio mais jovem, Cartier disse que uma grande quantidade de material teria sido lançada no espaço, cerca de um terço da massa do planeta. Uma pequena quantidade desses detritos teria sido empurrada pelo vento solar para o que hoje é o cinturão de asteroides, formando os asteroides do tipo E.

Ali, os asteroides teriam permanecido por bilhões de anos, colidindo ocasionalmente e sendo continuamente atingidos pelo vento solar, o que explicaria a impressão digital do vento solar nos aubrites. Mas, com o tempo, sugeriu ela, alguns pedaços foram empurrados em direção à Terra e caíram no nosso planeta como meteoritos aubríticos.

Os baixos níveis de níquel e cobalto encontrados nos aubrites correspondem ao que esperaríamos do proto-Mercúrio, diz Cartier, com dados da Messenger, espaçonave da Nasa que orbitou Mercúrio de 2011 a 2015, apontando semelhanças entre a composição de Mercúrio e dos aubrites.

“Acho que os aubrites são as porções mais superficiais do manto de um imenso proto-Mercúrio”, disse Cartier. “Isso pode explicar a origem de Mercúrio”.

Se for verdade, significaria que temos pedaços de Mercúrio – embora uma versão muito mais antiga do planeta – escondidos em gavetas e vitrines por mais de 150 anos.

“Seria fantástico”, disse Sara Russell, especialista em meteoritos do Museu de História Natural de Londres, que não esteve envolvida no trabalho de Cartier. O museu tem dez aubrites em sua coleção.

Outros especialistas têm reservas sobre a hipótese.

Jean-Alix Barrat, geoquímico da Universidade da Bretanha, na França, e um dos poucos especialistas em aubrites do mundo, não acredita que haja material aubrítico suficiente nas coleções de meteoritos para descobrir se seu conteúdo corresponde aos modelos do super Mercúrio.

“Os autores estão um pouco otimistas demais”, disse ele. “Os dados que estão usando não são suficientes para validar suas conclusões”.

Em resposta, Cartier disse que removeu possíveis rochas contaminantes de suas amostras de aubrite e obteve níveis representativos de níquel e cobalto os quais ela estava “confiante” de que eram corretos.

Jonti Horner, especialista em dinâmica de asteroides da Universidade de Southern Queensland, na Austrália, não tinha certeza se o material de Mercúrio poderia entrar em uma órbita estável no cinturão de asteroides e atingir a Terra bilhões de anos depois. “Para mim, simplesmente não faz sentido do ponto de vista da dinâmica”, disse ele.

Christopher Spalding, especialista em formação de planetas na Universidade de Princeton e coautor do estudo de Cartier, diz que seu modelo mostra que o vento solar pode empurrar o material de Mercúrio o suficiente para ligá-lo a asteroides de tipo E.

“O sol jovem era altamente magnético e girava rápido”, disse ele, transformando o vento solar em um “redemoinho” que pode ter mandado pedaços de Mercúrio para o cinturão de asteroides. Outra possibilidade, ainda a ser modelada, é que os pesos gravitacionais de Vênus e da Terra espalharam os materiais antes que alguns retornassem ao nosso planeta.

A proposta de Cartier pode ser testada em breve. Uma missão espacial europeia-japonesa chamada BepiColombo está a caminho de orbitar Mercúrio em dezembro de 2025. Cartier apresentou sua ideia a um grupo de cientistas da BepiColombo no início de maio.

“Fiquei impressionado”, disse Rothery, integrante da equipe científica da BepiColombo. Ele disse que sua missão pode procurar evidências de níquel na superfície de Mercúrio que poderiam ligar o planeta de forma mais conclusiva aos aubrites coletados.

Não vai ser “simples”, observa ele, já que a superfície de Mercúrio hoje é só uma lembrança distante daquilo que um dia foi proto-Mercúrio. Mas ele disse que os resultados “ajudariam a alimentar a modelagem”.

Willy Benz, astrofísico da Universidade de Berna, na Suíça, que foi o primeiro a propor a ideia de um proto-Mercúrio, diz que, se os aubrites de fato vieram de Mercúrio, eles reforçarão a evidência de um sistema solar primitivo ativo e violento.

“Isso vai mostrar que impactos gigantes são bastante comuns”, disse ele, e “desempenham um papel importante na formação das arquiteturas dos sistemas planetários”.

Cartier está testando ainda mais suas ideias derretendo algumas amostras de aubrite sob alta pressão. Se esses experimentos e os dados da BepiColombo reforçarem sua hipótese, os aubrites podem ser promovidos de uma estranheza em nossas coleções de meteoritos para alguns dos meteoritos mais notáveis já coletados: pedaços do mundo mais interno do sistema solar.

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