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Teresina - Piauí

Comunidade Islâmica luta contra intolerância religiosa em Teresina

Natural da Argélia, país localizado no norte da África, onde a língua oficial é o árabe, Ramz Lachtar veio ao Brasil há 4 anos após conhecer uma piauiense pela internet.

No Piauí, uma pequena comunidade de muçulmanos luta para lidar com os preconceitos em relação à religião islâmica. Cerca de 10 muçulmanos moram atualmente em Teresina. Um deles é o Ramz Eddine Lachtar, de 34 anos, que veio ao Piauí em nome do amor e hoje é líder da comunidade islâmica em Teresina.

Natural da Argélia, país localizado no norte da África, onde a língua oficial é o árabe, Ramz Lachtar veio ao Brasil há 4 anos após conhecer uma piauiense pela internet. Formado em direito e com o interesse em conhecer outras línguas, ele começou a acessar um site para aprender o português, o espanhol e o italiano. Foi quando ele conheceu a piauiense Ana Márcia.

“Morei na Argélia até os 30 anos, quando me mudei para cá. A minha esposa é daqui de Teresina. Eu conheci ela pela internet. Eu estava estudando espanhol, italiano e português. Ela era aluna de francês e eu de português. Como ela estava precisando de alguém para ajudar no francês e eu uma pessoa para ajudar no português, nos encontramos. Passamos três anos só estudando pela internet. Aí eu me interessei por ela e então vim para cá. Quando me interessei, decidi estudar o país, aí comecei a ver a cultura, tudo. Quando tu quer viajar para um país que tu não conhece a língua, tem que estudar. Comecei a estudar e mesmo naquela época eu sempre baixava o jornal Folha de São Paulo para saber o que estava acontecendo. Gostei do português porque queria conhecer. A única ferramenta de comunicação do povo é a língua, por isso me interessei em estudar”, disse.

  • Foto: Lucas Dias/GP1Ramzy EddineRamz Eddine

Estudando o português e com o interesse em Ana Márcia, ele decidiu que era hora de conhecer a piauiense pessoalmente. Há 4 anos ele está em Teresina e afirma não ter tido dificuldades em se adaptar ao país.

“Antes passamos três anos só conversando. Eu comecei a gostar dela porque era diferente dos outros brasileiros. No site, quando você ia fazer uma prova, apareciam vários professores, e tinha alguns que só queriam brincadeira, mas ela é uma pessoa séria e eu gostei muito. Aí um dia eu disse para ela que estava chegando. Ela achou que eu estava brincando, mas eu falei que estava indo. Quando cheguei todo mundo ficou chocado”, afirmou.

Logo depois Ramz e Ana Márcia se casaram. Mulçumano, ele passou seus ensinamentos para a esposa, que era cristã e acabou se convertendo. Em Teresina, ele descobriu a existência de outros mulçumanos e assim a comunidade foi crescendo. Alguns deles chegaram a sair do Piauí e do país devido ao preconceito.

“Quando cheguei aqui, tinha só uma pessoa [mulçumana], que já se mudou para o Maranhão. Aqui [em Teresina] perdemos vários irmãos e irmãs que foram para outros estados. Até do país estão se mudando. Quando cheguei aqui era só eu. Até que encontrei outra pessoa e depois mais dois outros rapazes. Aí depois fomos descobrindo que têm muçulmanos aqui, mas que eles estão escondidos. Eles não querem aparecer. Se a mulher sair com véu aqui é um escândalo, minha irmã chegou do meu país para cá, ela estava de véu. Parece que era de outro planeta. No caso do homem é mais difícil descobrir quando é mulçumano, mas aqui tem sim. Alguns estão escondidos porque a população não aceita. A maioria deles era da religião católica e se converteram. Todos daqui do Piauí”, revelou.

Preconceito

Ele explica que o forte preconceito dos piauienses aos muçulmanos é principalmente pela falta de conhecimento, de ignorância, em relação à religião islâmica. Com piadas relacionadas ao terrorismo, sendo chamado de “homem-bomba”, ele afirma que muitas pessoas não entendem o quanto “dói” esse tipo de afirmação.

  • Foto: Lucas Dias/GP1Ramzy EddineRamz Eddine

 “Aqui o problema é que se fosse um preconceito baseado em uma ameaça ou coisa violenta, mas o que dói é que é baseado na ignorância, pois não sabem. Machucam sem saber. Pessoalmente, tem pessoas que chamam de homem-bomba, dizem que nós abusamos da mulher, que batemos em mulher. O problema é que o preconceito é baseado na ignorância. Quando vejo que a pessoa não tem base na informação, ela não tem como te julgar e você tem que ensinar. A gente não tem que se esconder. Tem que mostrar para o povo a nossa religião. Se a gente ficar escondido, nunca vão conhecer a religião e nunca vão te respeitar. É melhor ensinar uma pessoa ignorante do que entrar em confusão com ela. Pelo menos você vai dar uma coisa boa, que é a informação. Quem tá escondido precisa começar a ensinar. Se pessoas de outras religiões não se escondem, eu vou me esconder por quê?”, questionou.

O uso do véu é obrigatório para as mulheres islâmicas, mas devido ao preconceito, as que moram em Teresina evitam usar o traje. “Aqui tem muito preconceito, porque a mídia cria uma imagem sobre o islã, sobre as mulheres e sobre os homens. Por isso se tem uma pessoa se converteu em mulçumano, ela tem medo às vezes até da família. Tenho uma irmã que saiu de sua casa por causa do abuso da família, da mãe. Saiu do país. A minha esposa não usa o véu por causa do preconceito. Um dia teve um encontro e quando saímos a minha esposa estava usando véu e ficou todo mundo filmando. Tinham pessoas parando os carros para filmar, então é complicado”, explicou.

Ele acredita que a forma como a religião é mostrada ao mundo tem ajudado a disseminar esse preconceito. “A mídia é sempre dirigida. Mostra o só que importa. Por exemplo, mostram que o mulçumano tem barba longa, vive em caverna, todo sujo, que mata, esfaqueia, faz tudo. Não é verdade. A mídia não mostra a questão de doação de verba para os mais pobres que pode ajudar a economia de um país, elas não mostram como o profeta tratava as crianças, as mulheres, não mostram isso. Sempre quando vão mostrar uma passagem do Alcorão, mostram só uma parte. O mulçumano e o árabe ficam naquela situação de perigo. É o mesmo que dizer que aquela pessoa é perigosa e isso já faz a pessoa não querer te conhecer”, disse Ramz em entrevista ao GP1.

Ramz explica que ao vir para o Brasil, sabia das diferenças e que sempre as respeitou. “Quando falei que viria para cá, as pessoas me questionaram sobre como eu poderia vir, se aqui tinha bebida, mulher de short e tudo mais. O que eu digo é que cuido do que é meu, da minha religião. As outras pessoas eu não ligo, porque não é da minha conta. Se a mulher usa short, isso é uma convenção dela. O cara bebe, se ele gosta, problema dele, não é meu. Eu tenho o meu Alcorão e a minha religião. É só respeitar”, destacou.

A religião

“O islã é uma religião de um Deus só. Um criador. Nosso Allah. Não tem filho, não tem namorada, esposa, nada. O último profeta que ele mandou para nós é o Muhammad. Teve uma série de profetas. Temos cinco pilares, a Shahadah que é a palavra da reversão que você confessa que Allah é único e o Muhammad é o profeta de Allah, temos a oração cinco vezes ao dia, o jejum que deve ser realizado durante um mês no Ramadã, e temos a doação que a pessoa tira quando ela tem uma meta. Em um ano ela tira 2,5% para doar a uma pessoa pobre. E temos a peregrinação que é para visitar a Meca, o lugar sagrado, uma vez na vida. Nossa fé é baseada em acreditar em um Deus único, nos anjos, nos profetas, nos livros, no destino bem e no mal, no inferno e no paraíso. Os de Jeová e os católicos acham que a gente não acredita em Jesus. Não, na nossa fé, para nós Jesus é um profeta. Na nossa fé acreditamos em todos os profetas”, explicou Ramz que também disse que dessa forma o Natal não é comemorado e eles também não participam das celebrações.

  • Foto: Lucas Dias/GP1Ramzy EddineRamz Eddine

Fortalecimento da comunidade

Apesar de ser formado em Direito, por ser de outro país, ele não conseguiu ainda a autorização para atuar no país, devido a um documento que é exigido pelas leis brasileiras, mas que não existe no seu país. Enquanto isso Ramz trabalha como recepcionista em um hotel. Ele e Ana Márcia já tem um filho de 8 meses, o Muhammad Ali.

Ramz afirma que tem a intenção de fortalecer a comunidade e no futuro até mesmo a instalação de uma Mesquita. “Teresina é o único estado do Nordeste que não tem Mesquita. Recife tem dois, Fortaleza tem um e os outros estados tem um, só Teresina que não tem. Então eu abro a minha casa para as conversas, quando conseguimos nos reunir, mas temos planos de colocar uma aqui. Também sempre que podemos tentamos falar sobre a nossa religião em palestras para que as pessoas possam conhecer um pouco mais”, finalizou.

O Islã é considera a religião com o maior crescimento mundial, atualmente, existem mais de 1,6 bilhão de muçulmanos. É segunda maior religião do mundo. A religião católica é a que possui o maior número de adeptos, com 2,17 bilhões.

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