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Feminicídio: casos são um alerta para as mulheres no Piauí

O grande desafio é fazer a mulher entender que não se deve denunciar apenas quando sofre uma agressão física. Casos envolvendo ameaças de morte e injúria podem sim ser denunciados.

A complexidade dos casos do feminicídio intrigam a polícia e os que atuam em políticas públicas envolvendo a violência contra a mulher. Somente no Piauí, em 2018, das 57 mulheres assassinadas, 25 casos se enquadram em feminicídio, ou seja 43,86% foram assassinadas no Estado pelo simples fato de serem mulheres.

Com vários prêmios e reconhecimento nacional sobre o seu trabalho pioneiro nessa área, a delegada piauiense Eugênia Villa, afirmou que de todas as mortes registradas no Piauí, nenhuma das vítimas havia denunciado o agressor. O grande desafio é fazer a mulher entender que não se deve denunciar apenas quando sofre uma agressão física. Casos envolvendo ameaças de morte e injúria podem sim ser denunciados à polícia e devem ser um alerta para a mulher.

“As mulheres no Piauí estão morrendo e nunca denunciaram. Nenhuma mulher no Piauí que foi assassinada tinha uma medida protetiva de urgência, nenhuma tinha ido uma única vez na delegacia, isso demonstra que a gente talvez esteja evitando isso”, explicou a delegada Eugênia Villa, que fez um alerta. “As mulheres estão sendo mortas por serem mulheres, e os homens não são mortos por serem homens, então como é que pode? É difícil compreender isso. É uma coisa absurda”, destacou.

  • Foto: Hélio Alef/GP1Delegada Eugênia VillaDelegada Eugênia Villa

A delegada atualmente está fazendo um doutorado focando exatamente na questão do feminicídio, onde ela verifica que condição de ser mulher é essa que qualifica um homicídio para feminicídio. Ela explicou que um dos grandes desafios e o que ainda causa muita confusão, é entender quando se trata de um caso de feminicídio, porque ele está ligado a condição do fato da vítima ser mulher e não apenas porque o crime foi cometido por um marido, namorado ou ex-companheiro. Para evitar erros nesse sentido, são feitas caravanas em várias cidades dos Piauí, onde os policiais, delegados e a população passam por uma palestra sobre o assunto.

“Para mim, o que foi paradigma no feminicídio e que coloca as claras essa questão de gênero, é de um caso em Marcolândia, onde uma mulher era bissexual e o cara estuprou o cadáver dela. O delegado não enxergou o feminicídio e nem a promotora. Reduziram a complexidade, para vilipêndio a cadáver. Isso em 2016, com a dona Maria dos Santos. Para nós ela entrou como feminicídio, com esses erros que mostramos na caravana para mostrar o que é feminicídio”, explicou a delegada ao GP1.

Ameaças são um grande alerta

A delegada Eugênia Villa destaca a necessidade de se ter uma equipe preparada para atender uma mulher que quer denunciar, não só a agressão física, mas também ameaça de morte.

“No interior começamos uma caravana do Salve Maria que era exatamente para levar a informação para a sociedade, capacitar os policiais, para mostrar para a polícia a importância do crime de ameaça. Se em relação aos outros casos, ele é um crime de menor potencial ofensivo, contra a mulher ele não é. É uma ameaça que pode sim se tornar uma realidade, então a gente leva essa mensagem para os policiais tomarem cuidado com esses casos. Quando a mulher chega na delegacia, é porque ela já está esgotada, então é preciso que os delegados e delegadas entendam que esse momento é especial e pode ser único, por isso trabalhamos com o princípio da única oportunidade”, disse.

  • Foto: Hélio Alef/GP1Delegada Eugênia Villa Delegada Eugênia Villa

Para a delegada, é importante que as próprias vítimas reconheçam a gravidade da situação. “Ás vezes a mulher não reconhece a ameaça. Ela começa bem velada e quando ela não enxerga, é porque ela está dominada psicologicamente. As pessoas dizem que tal mulher está com um homem porque gosta de apanhar. Não é isso, é porque ela já está completamente dominada psicologicamente”, destacou a delegada.

Eugênia Villa afirmou que a mulher precisa entender que não se deve aceitar a ameaça e que ela pode procurar a polícia, antes que algo mais grave aconteça. Se a mulher não quiser ingressar com uma ação judicial contra a pessoa, ela poderá pedir apenas uma medida cautelar.

“A polícia vai ouvir a mulher e assim vamos representar uma medida cautelar. Se for em flagrante delito a gente prende ele. Se ele não tiver praticado nenhum crime antes, a gente concede a fiança, agora se tiver cometido, ele vai para uma audiência de custódia. Agora se for uma ameaça grave, tipo uma pessoa que tem arma, então certamente vou pedir uma medida protetiva. Então a medida cautelar diz respeito a cada mulher. Muitas mulheres acham que a gente vai ter que instaurar um procedimento, mas não a gente só instaura se ela quiser. Se ela quiser só a medida cautelar a gente concede. Às vezes a mulher não quer nem aquele homem, ela só quer ficar longe dele, ela não quer nada de processo na justiça, então assim a gente faz. A mulheres precisam ter essa ciência, claro que a gente estimula [a instaurar um procedimento], mas se ela não quer, nós podemos requerer somente a medida protetiva”, pontuou.

Dependência do parceiro

Segundo a delegada Eugênia Villa, também é considerada uma violência contra a mulher, quando, por exemplo, um homem faz ameaças para uma mulher com o objetivo de fazer com que ela acredite que depende financeiramente do parceiro e que sem ele, ela não conseguirá ter uma boa vida.

“A violência psíquica é a primeira a se instalar, e quando elas enxergam, elas se libertam. A dependência psíquica também tem haver com patrimonial, de dizer que a pessoa não vai conseguir sobreviver financeiramente, então ás vezes elas sacrificam a vida dela, para ficarem com um homem que as oprime. Isso faz com que ela permaneça nesse jogo. Um homem que mantém a mulher devido ao patrimônio, isso também é uma violência. Outra coisa que as pessoas ás vezes não enxerga. É aquela violência que mantém o controle da mulher. Então acho que estamos longe de compreender a violência contra a mulher, porque é muito complexo. Não vamos achar que tudo que está posto está sedimentado, vamos discutir”, disse a delegada.

  • Foto: Hélio Alef/GP1Delegada Eugênia VillaDelegada Eugênia Villa

Piauí avança nas políticas

O Estado do Piauí tem avançado nas discussões sobre assunto e tomando medidas efetivas, como a criação do aplicativo Salve Maria, que vai ser implantado em outros estados, e com a implantação do Plantão de Gênero que funciona 24h. No caso do Plantão de Gênero, a maioria dos casos são registrados no período da noite e durante a madrugada. Domingo é o dia em que mais são registradas ocorrências, seguido de sábado e sexta-feira.

“No Salve Maria em primeiro lugar está a violência física, já no Plantão de Gênero está a ameaça, que é a violência psicológica, que toca a tua alma. Veja que no ambiente virtual você tem a violência física, agora no ambiente pessoal tem a ameaça, porque só quem pode falar é a mulher. Quem vai dizer que você realmente se sentiu ameaçada? Quando chega na lesão corporal, é porque deixou marcas no seu corpo e pode até ser tentativa de feminicídio. A mulher ás vezes só toma a decisão quando não tem mais jeito”, destacou.

Caso Marielle como feminicídio

Para a delegada, as condições envolvendo o assassinato de Marielle Franco fazem com que seja um caso de feminicídio. “Eu não gosto de citar exemplos de fora do Piauí, mas vou citar a Marielle, onde é 100% biopolítica, porque ela contrariou o que a gente possa chamar de mulher ideal e universal. A Marielle era negra, era lésbica, ativista e política, então ela irritou toda uma formação social que quer uma mulher negra em casa, sem ocupar espaço de poder, por isso no feminicídio é difícil de enxergar. Para mim o caso da Marielle foi feminicídio, isso no meu entendimento. Agora o que as pessoas não entendem um feminicídio quando ele extrapola o ambiente doméstico. As pessoas só enxergam o marido, companheiro, o ex-namorado. Eu como delegada e pesquisadora eu vejo como nós mulheres irritamos, como trazemos irritabilidade”, destacou.

Saiba como pedir ajuda

Salve Maria é um serviço do Governo do Estado do Piauí que viabiliza o envio de denúncias da população de forma anônima. As mensagens são enviadas através de um canal seguro e recebidas por um servidor público que dará seguimento para que sejam tomadas as providências cabíveis ao caso. Estados como o Maranhão e Acre estão adotando o aplicativo que ainda contém um botão do pânico para emergências.

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A delegacia de Plantão de Gênero funciona 24 horas, quatro dias na semana, para atender a mulheres, crianças, travestis e transexuais em toda e qualquer situação de violência doméstica e familiar. Ele funciona no âmbito da Central de Flagrantes de Teresina, na Rua Coelho de Resende, Centro/Sul. O telefone para contato é o: (86) 3216-5038.

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