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Saúde

Mundo tem mais de 10 conflitos por dia ligados à covid-19

Índice GPI, um dos principais termômetros da estabilidade global, traz primeira análise sobre impactos.

Em sua primeira análise sobre os impactos do coronavírus para a paz do mundo, o relatório do Índice Global da Paz (GPI, na sigla em inglês) deste ano mostrou que mais de 5 mil episódios de violência ligados à pandemia foram registrados entre janeiro de 2020 e abril de 2021 – uma média de 10,2 por dia.

A pesquisa – realizada pelo Instituto para a Economia e Paz (IEP, na sigla em inglês) – monitora e classifica o status da paz em 163 países e territórios, identificando onde os conflitos estão aumentando e diminuindo e os fatores que influenciam a mudança. A 15.ª edição do GPI registrou uma deterioração da paz global de 0,07% com relação a 2019.

O cálculo é feito com base em três domínios: nível de proteção e segurança social, a extensão do conflito interno e internacional em andamento e o grau de militarização dos países.

Embora tenha havido uma calmaria inicial no início da pandemia, até em razão das medidas sanitárias restritivas, os distúrbios voltaram a crescer ao longo do ano. Segundo o diretor do IEP para Europa, Oriente Médio e Norte da África, Serge Stroobants, dos 50 mil episódios violentos registrados no ano passado, 5 mil estavam relacionados à pandemia. Ainda que não tenha sido a única causa, foi um dos principais fatores da agitação social no mundo.

“Na Europa, ficou claro que muitas demonstrações estavam ligadas às restrições das liberdades individuais e à vacinação, se seria ou não obrigatória, ou se estava ocorrendo rápido ou não”, disse Stroobants em entrevista ao Estadão.

O relatório destaca alguns casos, como na Holanda, onde o toque de recolher imposto pelo governo provocou os piores protestos no país em 40 anos. Espanha, Itália, Alemanha e Irlanda também registraram violentas manifestações antibloqueio.

Mas nem todos os protestos foram causados pelo lockdown. Em alguns países, a resposta negligente dos governos, segundo o GPI, tornou-se um gatilho para manifestações. “Em Belarus, a recusa do governo em reconhecer a gravidade da pandemia e o impacto no sistema de saúde impulsionaram a agitação civil”, aponta o relatório.

Da mesma forma, tumultos eclodiram no Chile, após um aumento na taxa de desemprego, e no Líbano, diante da falta de apoio econômico do governo. Por outro lado, segundo o IEP, a pandemia foi usada como pretexto para a repressão em alguns países. Na Rússia, vários dissidentes foram presos por violar medidas de saúde pública ligadas à covid-19.

Centenas de pessoas também foram processadas por espalhar informações falsas sobre a pandemia. “No Egito, equipes médicas foram detidas com base na lei de terrorismo por falar sobre a falta de equipamento de proteção individual e de exames de covid-19. Na Índia, a polícia prendeu um oncologista por postar fotos de equipes médicas usando capas de chuva por falta de equipamento de proteção individual.”

“A covid-19 colocou uma lupa em problemas que não foram solucionados nos últimos dez anos e multiplicou esses fatores. A crise econômica que surge com a pandemia deve acentuar isso”, avalia Stroobants.

O diretor do IEP explica que se trata de tendências já observadas antes da pandemia, pelo menos nos últimos dez anos, que se intensificaram com a situação extrema criada pela crise: pobreza, confinamento, ataques racistas, entre outros aspectos. De acordo com o relatório, pelo menos 158 países registraram um ou mais incidentes violentos com essa característica. “É um elemento-chave no nosso índice este ano.”

O cenário constatado este ano foi previsto pelo instituto, no relatório de 2020, divulgado há um ano, quando a pandemia havia causado 400 mil mortos em todo o mundo – cerca de um décimo das vítimas que provocaria 12 meses depois.

Ranking

Segundo o relatório, o nível médio da paz global deteriorou-se – a nona vez em 13 anos que há uma queda do índice. No ranking de 163 países, a Islândia ocupa a primeira posição, desde 2008, seguida por Nova Zelândia, Dinamarca, Portugal e Eslovênia. Oito dos dez países melhores colocados no ranking ficam na Europa. Pelo quarto ano seguido, o Afeganistão aparece na última posição. À frente estão Iêmen, Síria, Sudão do Sul e Iraque.

Quando se analisa o cenário por regiões, a América do Norte – que na avaliação engloba apenas EUA e Canadá – teve a maior deterioração da paz no último ano, puxada por um aumento nas manifestações violentas e instabilidade política nos EUA.

Brasil

“Isso foi impulsionado por um aumento significativo na agitação social nos Estados Unidos em 2020, que culminou

com os eventos do dia 6 de janeiro de 2021, quando manifestantes pró-Trump entraram no prédio do Capitólio", aponta o relatório.

O Brasil ocupa a 128.ª posição no ranking, atrás de Chile (49.º), Equador (88.º) e Bolívia (105º.), mas está à frente da Venezuela (152.º). Não houve variação na posição do Brasil este ano. O País se destacou por ter apresentado o mais alto grau de “medo de violência”, com quase 83% da população afirmando temer ser vítima de um crime violento.

“Por outro lado, quando você olha para os números sobre a quantidade de pessoas que sofreram violência nos últimos dois anos, esses números são muito menores. Há claramente uma discrepância entre a violência real que ocorreu às pessoas e o temor de que uma eventual violência ocorra a elas”, afirma Stroobants.

Muitos países na América Latina registraram uma grande queda em homicídios e crimes violentos nas ruas. No entanto, a pesquisa revela que as medidas de lockdown adotadas no Brasil não impactaram o número de homicídios.

Três perguntas para ...

Serge Stroobants​, diretor do IEP para Europa, Oriente Médio e Norte da África

1.Podemos dizer que, 20 anos após o 11 de Setembro, a pandemia começa a ocupar o lugar do terrorismo como uma preocupação global de segurança?

A comparação está certa, ainda que não tenha sido a constatação do GPI deste ano. Na minha opinião pessoal, existem similaridades entre esses dois períodos. Basicamente, nós começamos a guerra ao terror após o 11 de Setembro e começamos uma guerra contra a covid-19 após novembro/dezembro de 2019. Houve uma reação global.

2.Quais as particularidades?

Quando se trata de covid, como indivíduo vivendo em sociedade, você pode identificar seu papel, que é se proteger, seguir as regras, ver como você pode participar da recuperação de seu país. Quando mais seguir as regras e manter o distanciamento social, mais evitará a propagação do vírus. Há pessoas se voluntariando nos centros de vacinação. Muitas pessoas veem um papel pessoal para a recuperação após esse choque (pandemia).

3.E com relação ao terrorismo?

No caso do terrorismo, é um pouco diferente. Porque indivíduos, especialmente em diferentes partes do mundo, onde o impacto não foi tão forte, eles veem o terrorismo como sendo algo de outra parte do mundo, não estavam muito preocupadas com isso até chegar ao seu país. Mas não consegue ver se há um papel pessoal nessa luta contra o contraterrorismo. O que eu posso fazer para combater o terrorismo como indivíduo? E porque não se vê como parte da solução por si, as pessoas simplesmente deixam a resposta ao terrorismo para o governo. A resposta individual não seria parte da solução. Isso que acho que faz a diferença na minha opinião.

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