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Saúde

Alimentação intuitiva: como praticar uma dieta saudável e com prazer

Abordagem adotada por alguns nutricionistas não proíbe o consumo de nenhum alimento.

Dieta da lua, chá emagrecedor, proibição de carboidratos. Juliana Pessoa Ramos, psicóloga, de 36 anos, havia testado muitas fórmulas para emagrecer, mas nunca tinha conseguido um resultado satisfatório e consistente. “Sempre sofri com o efeito sanfona, ansiedade e compulsão alimentar. Mas os nutricionistas nunca me perguntaram nada sobre isso, só me passavam um cardápio para seguir. Eu entrava num ciclo ansioso ao precisar cumprir uma meta de peso até a próxima consulta, o que levava a me render à compulsão”, conta.

Há dois anos, no entanto, ela conheceu sua atual nutricionista, que trabalha com a abordagem da alimentação intuitiva, e sentiu diferença. “Ela não proíbe o consumo de nenhum alimento e não foca o peso corporal. A consulta é leve e sem ‘terrorismo’.”

Juliana não ficou supermagra como sonhava, mas afirma que hoje está em paz com a comida e com o seu corpo, com um peso saudável e estável. “Aprendi a me relacionar com os alimentos, a ouvir o que o meu corpo realmente quer. Como de tudo, com consciência, responsabilidade. Alguns dias eu como salada, em outros como pizza, com zero culpa”, conta ela, que atualmente frequenta bares e festas sem sofrimento, mas se planeja para não extrapolar.

Priscila Monomi, nutricionista que atende Juliana, acredita que a “mentalidade de dieta”, que promove o sacrifício para obter resultados em curto prazo, não promove o bem-estar físico e mental das pessoas.

“A alimentação intuitiva foca no relacionamento de paz com a comida. Quanto mais conectados estivermos com nossos sinais de fome e saciedade, melhor é a nossa saúde. O peso é uma das consequências positivas dessa relação”, diz.

Autoconhecimento

A abordagem da alimentação intuitiva (intuitive eating), criada nos anos 1990 por duas nutricionistas norte-americanas, dá permissão para que cada pessoa coma o que quiser, sem restrições, mas mediante autoconhecimento, atenção às emoções e aos sinais de fome e saciedade. Essa e outras abordagens, modelos e metodologias “não dieta”, com foco na mudança de comportamento, começaram a ser adotadas no Brasil na última década, mas ainda são pouco conhecidas pela população em geral, que prefere soluções “milagrosas”, dizem os especialistas entrevistados pelo Estadão.

“Infelizmente, as faculdades de nutrição ainda formam pessoas para calcular calorias da dieta e o nutricionista virou um profissional do emagrecimento. Isso é triste”, diz a nutricionista e pesquisadora Sophie Deram, autora do livro O Peso das Dietas, lançado em 2014. Segundo ela, as dietas restritivas, que deixam as pessoas passarem fome ou eliminam grupos alimentares, podem trazer resultados rápidos, mas a longo prazo não funcionam, pois as pessoas voltam ao peso anterior – ou mais alto.

“Você nunca sai igual de uma dieta, que mexe com o seu apetite e metabolismo. O cérebro vai pedir por mais alimento, sem contar que quando você é proibido de comer algo fica pensando nisso o dia inteiro. Isso resulta no efeito sanfona, que é prejudicial à saúde”, diz. No atendimento, Sophie coloca o paciente como o protagonista de sua alimentação. “Ele vai aprender a dirigir o seu barco.” Segundo ela, pessoas com qualquer patologia podem se beneficiar da abordagem nutricional.

Paciente de Sophie desde 2015, a coach de carreira Flavia Gisela Wahnfried, de 46 anos, conta que teve dificuldade, no início, de praticar a alimentação intuitiva. “Eu estava extremamente condicionada a seguir fórmulas, receitas e quantidades. Havia perdido a conexão com o meu corpo, com a minha sensação de fome e de saciedade. Por muitos anos fiz dietas frustradas e estava cansada de não conseguir atingir e sustentar um peso saudável.”

Flavia percebeu que quanto mais restritiva era a dieta, mais tinha episódios de comer em excesso, o que a levava a ganhar peso novamente. Ela foi encorajada por Sophie a escolher as refeições a partir de suas preferências, priorizando ingredientes naturais. Com isso, chegou a um peso satisfatório, que não oscila. “Ela me devolveu o prazer de fazer uma refeição sem culpa. Sem proibições, sinto menos compulsão. Consigo apreciar um chocolate ou ir a uma festa e seguir depois minha rotina equilibrada, sem me castigar no dia seguinte com jejuns e exercícios malucos.”

Seja gentil com você mesmo

Tratar a si próprio com gentileza é uma das premissas da alimentação intuitiva, afirma a nutricionista Marle Alvarenga, fundadora do Instituto de Nutrição Comportamental. “Uma pessoa que não é compassiva consigo mesma acaba se punindo só porque comeu um alimento um pouco mais gorduroso, sem olhar o contexto. A culpa gera estresse, que interfere na sensação de fome e saciedade”, ensina.

Para promover essa autocompaixão, o nutricionista comportamental pode valer-se de terapias cognitivas comportamentais, que utilizam ferramentas como um diário alimentar, no qual o paciente escreve aquilo que come, onde, quando e os sentimentos e sensações do momento, exemplifica Marle.

O nutricionista que trabalha com a alimentação intuitiva pode atuar em parceria com um psicólogo. “Há pessoas que não encontram outras possibilidades para lidar com as emoções que não seja pela comida”, explica a psicóloga Mariana Esteves Shnaiderman. No seu consultório, ela ajuda o paciente a reconhecer as emoções e a desenvolver repertório para lidar com elas.

Amanda Cardoso da Silva, de 30 anos, assistente social, conheceu os princípios da alimentação intuitiva com Mariana. Para ela, romper com a ideia de que existem alimentos “proibidos” fez a diferença, pois ela deixou de sentir culpa e se punir por isso. “Eu passava horas na esteira para me punir por algo que tinha comido”, conta ela, que tinha episódios de compulsão alimentar diariamente.

“Eu comia qualquer alimento em abundância. Chegava a acabar com uma panela de arroz e feijão.” Ao perceber os seus gatilhos emocionais na psicoterapia e resgatar o prazer de comer, hoje ela se alimenta e se exercita para se cuidar. “Rompi com a mentalidade da dieta, incutida em mim por anos e anos.”

Pressão estética

Para os especialistas em transtornos alimentares, o contexto de pressão estética, amplificado nas mídias sociais e na publicidade, gera insatisfação com o corpo – que traz lucros. O mercado da perda de peso movimenta US$ 72 bilhões nos Estados Unidos, de acordo com um levantamento da Market Research de 2019.

“A indústria está empenhada em promover a insatisfação para gerar desejo e consumo, além de interferir nas políticas públicas pelo lobby. Por isso uma abordagem não dieta vai na contramão do que vemos no mundo”, analisa a nutricionista Marcela Cristina Elias Villela. O recorte da “vida perfeita”, com pratos e corpos ideais dos influenciadores digitais, promove uma distorção da autoimagem, afirma a nutricionista.

“Comparar-se com outras pessoas, inclusive aquela blogueira que vive em função da aparência, gera um nível de julgamento e autocrítica grande”, avisa. Marcela atende principalmente pacientes com transtornos alimentares e obesidade na abordagem da alimentação intuitiva e health at every size (saúde em todos os tamanhos). “Ajudo a pessoa a compreender que ainda que ela não atinja o IMC (Índice de Massa Corporal) ideal, ela pode ser saudável, já que o peso é apenas um dos elementos que podemos usar como parâmetro. Promovo o cuidado das pessoas com obesidade sem estigmas e preconceitos.”

Atenção plena

Checar os posts do Instagram na hora das refeições é uma ação comum, mas nada recomendada pelos profissionais que trabalham com alimentação intuitiva. Por isso, mesmo quando a rotina fica corrida, o momento das refeições é inegociável para a administradora Maria Clara Ferraz, de 22 anos. Há um ano, ela aderiu ao Mindful Eating, prática de alimentação com atenção plena, que traz foco ao momento presente.

“Monto pratos bonitos, saboreio com calma os alimentos, presto atenção nas texturas, cheiros, temperatura. Escolho com consciência o que quero comer, considerando o bem-estar físico e mental. É um momento de prazer e autocuidado do meu dia”, admite.

Antes de praticar o Mindful Eating, Maria Clara sentia que estava com um comportamento alimentar problemático, pois só pensava em calorias e em comida. “Ganhei alguns quilos no isolamento e queria emagrecer. Me consultei com uma nutricionista que me passou uma dieta bem restritiva: o café da manhã era obrigatoriamente líquido, o pão era proibido e o jantar sem carboidratos. Isso me levou a um ciclo de exagero. Ganhei mais peso do que antes de começar a dieta.”

A psicóloga Lauren Frantz Veronez, instrutora de Mindful Eating, afirma que atende muitas pessoas como Maria Clara, que já fizeram várias dietas e passaram por nutricionistas, mas nunca conseguiram melhorar a alimentação e o peso. “Eles não resistem à comida quando estão ansiosos ou estressados e depois sentem culpa”, avalia.

Lauren explica que o Mindful Eating pressupõe abandonar as regras impostas pelas dietas e devolve autonomia para as pessoas, para que façam as próprias escolhas alimentares. “Quem pratica é capaz de reconhecer os sinais que o corpo dá e usa como base para decidir o que vai ou não comer, em vez de seguir regras externas.”

No início de sua carreira como psicóloga, Lauren trabalhou em uma clínica de emagrecimento tradicional e ficou incomodada. “Era proibido falar o nome dos alimentos proibidos. Até comer frutas era demonizado. As pessoas sofriam muito e a comida virava uma obsessão”, recorda. Na busca de ajuda para aquelas pessoas, ela encontrou o Mindful Eating, que também a levou a melhorar a própria alimentação e a perder peso.

A médica e instrutora de Mindful Eating Paula Teixeira ensina as técnicas de alimentação com atenção plena a pacientes que apresentam compulsão alimentar ou que comem por motivos emocionais, encaminhados por psicólogos, psiquiatras e endocrinologistas. “A ciência avançou na direção de instruir o paciente sobre o que ele precisa fazer para ter uma vida mais saudável. Mas os pacientes não têm recursos e repertório para sustentar mudanças de hábitos alimentares. O Mindful Eating ajuda as pessoas que querem aprender como comer e se relacionar com a comida”, adianta.

Paula vale-se de sua própria história para mostrar os benefícios do Mindful Eating. Dos 7 aos 18 anos, ela fez dietas. Com 160 quilos, aos 10 anos, se submeteu à cirurgia bariátrica e perdeu 40 quilos. Precisava emagrecer mais, mas outros 10 anos de dieta não a fizeram perder peso. “Eu odiava comer, mas nunca emagrecia”, conta. Em 2013, parou com as dietas e começou a praticar o Mindful Eating. “Emagreci 30 quilos sem dieta. Aprendi a amar a comida e a cuidar de mim.”

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