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GP1
Por Arthur Teixeira Junior *

Imagem: ReproduçãoArthur Teixeira Junior (Imagem:Reprodução)Arthur Teixeira Junior

“_Mas você não foi no velório do Dr. Tenório?” – perguntou-me em um misto de indignação e espanto nossa estagiária Mariana “_ Quem não é visto não é lembrado...” – completou a outra estagiária, da qual não me lembro o nome.

Dr. Tenório era o pai de nosso gerente, e du-vi-do, duvido mesmo, que alguém do escritório o tenha conhecido em vida. Teve um enfarto fulminante na véspera, já ao cair da noite, e no dia seguinte um ar de consternação impregnava todo o ambiente de trabalho. “_Grande Tenório...” murmurava o Afonsinho que, por incrível que pareça, teve a pachorra de esfregar cebola nos olhos para torná-los vermelhos e lacrimejantes. A cada meia hora, lá ia o Afonsinho no banheiro reforçar a “maquiagem”, de lá saindo com os olhos inchados: “_ Grande Tenório...”.

No dia do velório, testemunhei verdadeiras e animadas caravanas, no aguardo do elevador, todos alegres e felizes pelo bom motivo para cabular o trabalho, a caminho do velório de quem nunca tinham sequer ouvido falar. João Ricardo justificou sua ausência: “_Ele não vai no meu velório, pois eu também não vou no dele...”

Detesto velórios, ojeriza que adquiri depois de passar uma noite inteira velando um cidadão, na companhia de quem nunca tinha visto, para ao amanhecer, e só então, descobrir que estava no velório errado.

Aliás, julgo velórios um ato completamente inútil e desgastante. Um odor repugnante, um choramingar sem fim, um ar pesado, o tempo demorando para passar. Em todo velório que presta existe um bêbado. E as carpideiras, que são aquelas velhotas pagas para passar a noite inteira chorando e rezando o terço. De quando em quando, uma delas levanta e vai até o caixão, passa a mão na testa do defunto e ajeita os dedos das mãos postas, como se o “de cujus” tivesse suando ou destrançado os dedos para, talvez, coçar o saco. Entretanto, para alguma coisa, serve: existem parentes que só vemos em velórios. Minha tia Lucila, por exemplo, só a vi em velórios. No do tio Avelino, no da prima Gertrudes, no da vó Carminha, e por último, no dela mesmo.

O velório do tio Avelino foi histórico. Ele, logicamente ainda em vida, vendia chapéus da marca Ramenzonni, e passava uma semana em casa e outra viajando. Em seu velório havia um grupo de pessoas, chorosas, por nós desconhecidas. A viúva, tia Rosinha, teve a delicadeza de se aproximar no intento de avisá-los que talvez chorassem o defunto errado. Foi quando descobriu que não era a única viúva lá presente, e eu descobrir, também, que tinha primos antes ignorados. Tia Rosinha pregou uma violenta bolsada nas fuças da recém apresentada, e recebeu de volta um certeiro golpe com o castiçal, ainda munido das velas acesas. O tempo fechou, e só o defunto não entrou na briga, embora prima Teresa jure tê-lo visto espiando com o rabo dos olhos.

Foram cerca de trinta minutos de selvagem pancadaria, onde não sobrou nenhuma flor ou coroa inteira. Todos terminaram na delegacia, exceto o falecido, esquecido em sua fria urna. Mal tivemos tempo depois de sepultá-lo, na ausência de ambas as viúvas e grande parte das famílias, parte no hospital, parte revoltadas em casa tentando descobrir como o miserável havia conseguido viver 20 anos naquela dupla vida. Tio João, um dos que mais apanhou, estava com seu terno que usou no casamento e depois somente no velório, todo rasgado, a gravata nas costas, sem uma das abotoaduras, cabelos desgranhados e camisa rasgada. Quando sentou, sentiu um pequeno incômodo no traseiro. Apalpou, procurou, e de lá do fundão retirou um rolinho que, na confusão, alguém deve ter lá atochado. Era um pedaço de tecido enroladinho, com as bordas douradas. Desenrolou e leu “_ Jamais te esqueceremos”.

* Arthur Teixeira Junior é funcionário público

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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