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Ministro Afrânio Vilela: um magistrado experiente, comprometido, humano e justo

Artigo do desembargador Edvaldo Pereira de Moura, que é diretor da ESMEPI e professor da UESPI.

Foto: Marcelo Cardoso/GP1Desembargador Edvaldo Moura
Desembargador Edvaldo Moura

Edvaldo Pereira de Moura

Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Piauí. Mestre em Ciências Criminais pela PUC-RS. Membro da Academia Brasileira de Letra da Magistratura – ABLM. Vice-Presidente do COPEDEM e do IMB. Professor de Direito Penal e Processual Penal da UESPI.

Inicio o presente artigo, com a locução adverbial que pode soar rascante e a contrapelo dos que, ainda, estão sob a hipnose do canto das sereias de Ulisses,  recomendando mesinhas homeopáticas, para cânceres terminais.

Com certeza, essa não seria a postura de um magistrado do nível de José Afrânio Vilela, experiente, determinado, comprometido, portador de coragem cívica e de consolidada formação jurídica e humanística que, por anos a fio, percorreu as sertanias do seu estado natal, tisnadas por vilanias políticas e injustiças seculares, a se enfeitiçar com manifestações equivocadas, já que blindado contra os óbices que se anteponham à realização plena da Justiça dos homens.

Os episódios constrangedores que estão acontecendo, frequentemente, atritando e azedando o relacionamento institucional recomendado pela boa praxe,  entre integrantes da Suprema Corte de Justiça e alguns dos nossos parlamentares, são vexames para o povo brasileiro, tão seguro e orgulhoso de sua Constituição Cidadã.

Como é de sabença geral, não há um só dia em que o noticiário dos principais órgãos de comunicação de massa do país, não celebrem algum tipo de insulto e destempero entre autoridades de rara importância para a vivência plena da nossa democracia. Isso não é bom para nenhum dos três poderes do Estado. E para a sociedade civil, é ainda pior, sem falar no abalo político e social, que facilmente se percebe, ferindo as suscetibilidades da segurança jurídica, pedra angular em que se escora a arcada do Estado Democrático de Direito.

Pois, bem, não podemos ignorar que o mundo inteiro passa por uma crise de valores, com ataques explícitos, frenéticos, determinados e permanentes contra as estruturas institucionais da democracia, prenunciando revanchismo caudaloso tirado da poeira venenosa dos guardados nazifascistas.    

É que minguaram de vez os valores epistemológicos que dão consistência ontológica à Justiça, à lei e ao direito, que nos parece nebulosamente incontornável. A democracia só atende a seus objetivos quando corre pelos trilhos de uma ordem legítima.

Norberto Bobbio e Carl Friedrich, no livro Perspectivas Históricas da Filosofia do Direito, asseveram que "uma ordem é legítima, quando reconhecida como justa".

O jurista piauiense Manfredi Cerqueira, em sua obra, É Preciso Filosofar,  asseverou: “Se o poder ilegítimo cria normas jurídicas justas, está em vias de sua legitimação. Se, porém, o poder legítimo produz normas injustas, estará a caminhar, irremediavelmente, para a perda de sua legitimidade.”

Mas quando nos surge a ameaça de que o Legislativo vai fazer leis que limitem o poder do Supremo Tribunal Federal, modelando, assim, a Justiça que convém à comodidade dos parlamentares e aos interesses de seus grupos congruentes, é hora de se pensar, sábia e prudentemente, como deve se portar e agir os magistrados brasileiros, como José Afrânio Vilela, que têm a missão legítima e soberana de predicar e distribuir justiça.

    Cabe-nos concluir este questionamento, desagradável e preocupante, com o alento espiritual de Pietro Cogliolo, segundo o qual, “Não é o Direito movido pelo puro raciocínio do homem, mas pelas necessidades do povo; vive nas suas condições tanto econômicas como psicológicas, tanto materiais como morais. Por isso, não é invariável e absoluto; muda com o mudar do povo, dos lugares e dos tempos, e permanece fixo enquanto estão fixas todas as conjunturas que o criaram.”

Agora, estamos tomando o caminho que a gratidão e a estima nos impõe, como a razão da escritura destas linhas: celebrar a recente chegada de um grande magistrado brasileiro ao Superior Tribunal de Justiça, distinto filho das Gerais, nosso amigo e irmão de luta nos áridos campos da Justiça, Ministro José Afrânio Vilela, indiscutivelmente, um magistrado que sempre procurou honrar e dignificar a toga que veste.

Ninguém ignora os versos de Paulinho da Viola, quando em uma de suas bem pensadas músicas, recomenda que devemos fazer como o velho marinheiro, que, durante o nevoeiro leva o barco devagar. Sócrates foi mais objetivo ao sustentar: “Três coisas devem ser feitas por um juiz: ouvir atentamente, considerar sobriamente e decidir imparcialmente.”        

Seguramente, já começamos a revelar uma das características essenciais do Ministro Afrânio Vilela: a prudência, o bom senso, a calma, a sensatez, a lealdade, a honradez, a generosidade, a nobreza de caráter e a humildade. Tudo isso como adornos imarcescíveis da inteligência e da cultura jurídica, que sempre atapetou seus pés, por onde ele passou.     

O Ministro Afrânio Vilela é um dos mais claros exemplos da boa semente que se transforma em árvore rica em flores, frutos e sombras. Seu extenso currículo traz no histórico de trabalho o apontamento sem nenhuma vaidade, de ter sido artífice de pré-fabricados de cimento e jardineiro de colégio. Provas incontestes de que era um rapaz nascido em lar humilde. Esse detalhe tocou os primeiros momentos do meu passado de, também, menino pobre, filho de uma professora primária e de um soldado da Polícia Militar do Piauí, ex-ajudante de pedreiro, vendedor de picolé e de couro de bode, nas feiras da microrregião de Picos.

Essas singularidades uniram os nossos espíritos, porque à nossa frente desafios mais difíceis nos esperavam, no áspero caminho de uma magistratura que dignificasse a nossa ingente atividade jurisdicional.  

Quando ocupei a cadeira de desembargador, presidente do Tribunal de Justiça, do Tribunal Regional Eleitoral e, interinamente, de governador do Piauí, meu pensamento era voltado, por bons e solitários instantes, àqueles dias de pobreza com  dignidade, esperança e inaudita vontade de vencer.

Tenho quase certeza de que o Ministro Afrânio Vilela, na honrada companhia de dona Gisela Vilela, lembrou, com emoção, os primeiros momentos de uma vida de sacrifício, de trabalho, de estudo e de esperança, ao ocupar o gabinete de onde ilustrará imaculadamente o Tribunal da Cidadania.

Não poderíamos deixar de buscar, na poeira do distante Século XVII, as sábias lições daquela famosa passagem do Dom Quixote de La Mancha, quando seu fiel escudeiro Sancho Pança, acha-se na iminência de ir governar a sua ilha.

“Faze gala da humildade da tua linhagem, Sancho, e não tenhas desprezo em dizer que és filho de lavradores, porque, vendo que te não corres por isso, ninguém te poderá lançar em rosto; ufana-te mais em seres humilde virtuoso que pecador soberbo. Inumeráveis são os que, nascidos de baixa estirpe, subiram à suma dignidade pontifícia e imperatória, e podia dar-te tantos exemplos que te fatigaria. Repara Sancho, que, se te ufanares de praticar atos virtuosos, não há motivo para ter inveja aos príncipes e senhores, porque o sangue se herda e a virtude adquire-se, e a virtude por si só vale o que não vale o sangue”.

“Nunca interpretes arbitrariamente a lei, como costumam fazer os ignorantes que têm presunção de agudos. Achem em ti mais compaixão as lágrimas do pobre, mas não mais justiça do que as queixas dos ricos. Procura descobrir a verdade por entre as promessas e dádivas do rico, como por entre os soluços e impunidades do pobre. Quando se puder atender à equidade, não carregues com todo o rigor da lei no delinquente, que não é melhor a fama do juiz rigoroso que compassivo”. Se dobrares a vara da justiça que não seja ao menos com o peso das dádivas, mas sim com o da misericórdia. Quando te suceder julgar algum pleito de inimigo teu, esquece-te da injúria e lembra-te da verdade do caso.”

“A quem hás de castigar com obras, não trates mal com palavras, pois basta ao desditoso a pena do suplício, sem o acrescentamento das injúrias. Ao culpado que cair debaixo da tua jurisdição, considera-o como mísero, sujeito às condições da tua depravada natureza, e em tudo quanto estiver da tua parte, sem agravar a justiça, mostra-te piedoso e clemente, porque ainda que são iguais todos os atributos de Deus, mais resplandece e triunfa aos nossos olhos o da misericórdia que o da justiça.”

O Ministro Afrânio Vilela já estaria ungido e sacramentado se recorresse, apenas, aos conselhos de Dom Quixote levados a Sancho Pança. Pois feliz é uma Corte de Justiça que tem entre os seus brilhantes pares uma figura humana da sua fibra. O genial cavaleiro andante de La Mancha ufanar-se-ia, imitando o pobrezinho de Assis e diria: Vai, Afrânio e dá mais força à nossa Justiça, que ora se encontra abraços com mil problemas e dificuldades de toda ordem! 

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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