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Brasil

Lista tríplice para escolha de reitor e a autonomia universitária

O STF negou o pedido para que o presidente da República fosse obrigado a indicar os nomes mais votados.

O Supremo Tribunal Federal negou um pedido para que, na nomeação dos reitores e dos vice-reitores das universidades federais e dos diretores das instituições federais de ensino superior, o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), fosse obrigado a indicar os nomes mais votados nas listas tríplices enviadas pelas instituições. Desde o início do atual governo, já foram nomeados 22 reitores que não estavam no topo da relação.

A decisão foi tomada em julgamento realizado pelo plenário virtual da Corte, encerrado nesta sexta-feira. O Partido Verde (PV), autor da ação analisada, questionava dispositivos da lei que prevê a elaboração de listas tríplices pelas instituições e apontava que o governo federal estaria nomeando candidatos menos votados sem qualquer justificativa técnica ou científica.

O Partido Verde (PV) ajuizou ação em desfavor do art. 1º da Lei Federal nº 9.192 de 21.12.1995, que alterou o art. 16, inciso I, da Lei Federal nº 5.540/68, e do art. 1º do Decreto Federal nº 1.916, de 23/05/1996, por representarem flagrante violação ao instituto constitucional da autonomia universitária, previsto no bojo do art. 207, caput; em conjunto com o art. 206, II, III e VI; bem como aos princípios da impessoalidade e da moralidade pública, insculpidos no artigo 37, caput, ambos da Constituição Federal de 1988, e a recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

O artigo 1º da Lei 9.192/1995, que alterou o artigo 16, inciso I, da Lei 5.540/1968, prevê que o reitor e o vice-reitor das universidades públicas e os dirigentes das instituições federais de ensino serão nomeados pelo presidente da República entre professores dos dois níveis mais elevados da carreira ou que tenham título de doutor, a partir de listas tríplices organizadas pelas instituições. O artigo 1º do Decreto Federal 1.916/1996, por sua vez, reforça a legislação de 1995.

Segundo a legenda, o governo federal vem promovendo, por meio da aplicação dos dispositivos, uma “intervenção branca” nas instituições, violando os princípios constitucionais da autonomia universitária e da impessoalidade e moralidade pública e a jurisprudência do STF sobre a matéria. De acordo com o PV, a União Federal tem aplicado a lei e o decreto “para suprimir a autonomia das universidades, desrespeitando a lista tríplice e nomeando candidatos sequer presentes na lista ou com baixíssima aprovação da comunidade acadêmica, sem a utilização de critérios científicos”.

A matéria foi discutida na ADPF 759.

A escolha de outro menos votado em lista tríplice para reitor não afronta o princípio da autonomia universitária.

O ministro Gilmar Mendes, disse que certa “ebulição” em ambientes universitários é inerente “ao processo democrático” e que é preciso “ter cautela” diante da sequência de ações em universidades públicas por todo o país que apontam propaganda eleitoral irregular nos campi.

Para o ministro Marco Aurélio, “a quadra é de extremos” e o Estado Democrático de Direito corre perigo.

— Universidade é campo do saber. O saber pressupõe liberdade, liberdade no pensar, liberdade de expressar ideias. Interferência externa é, de regra, indevida. Vinga a autonomia universitária. Toda interferência é, de início, incabível. Essa é a óptica a ser observada. Falo de uma forma geral. Não me pronuncio especificamente sobre a atuação da Justiça Eleitoral. Mas reconheço que a quadra é de extremos. Por isso é perigosa, em termos de Estado Democrático de Direito. Esse é o meu pensamento. — declarou.

Vive-se no ambiente universitário um ambiente plural de discussão e que visa a formação de conhecimento.

A autonomia universitária vem consagrada no Texto de nossa Lei Maior, em seu artigo 207. Coube à Constituição de 5.10.1988 elevar, pioneiramente na história da universidade no Brasil, a autonomia das universidades ao nível de princípio constitucional. Dispõe o artigo 207:

“Art. 207 – As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.

Como se vê, desde logo, nossa Lei Maior preocupa-se em definir o conteúdo da autonomia das universidades, que abrange “a autonomia didático-científica” ou seja, suas atividades-fim e a “autonomia administrativa e financeira”, suas atividades-meio.

Quis o constituinte originário, em boa hora, resgatar e compor, em nosso sistema jurídico-constitucional, uma renovada figuração da autonomia das universidades, tão antiga quanto necessária, para que possa ela cumprir sua missão, emprestando-lhes assim o prestígio de se instalar em nossa Lei Maior. Autonomia que é de longa data reconhecida em todo o mundo. Isto mesmo aponta Celso Antônio Bandeira de Mello:

“16. As universidades, notoriamente, são das mais antigas instituições em que se expressou um sentimento autonômico e de auto-organização. Não há descentralização de atividade especializada alguma que tenha tão forte e vetusta tradição. Em rigor, ela é tão antiga que precede à própria noção de Estado. Lafayette Pondé, em poucas palavras e com o auxílio de uma citação expõe a tradição e o espírito essencial da universidade.

“A noção de Estado, como fonte centralizada e soberana de poder e da ordenação jurídica, não surge senão no Século XVI. O termo “Estado” vem de Maquiavel. Na França, por exemplo, ele somente se fixa ao tempo de Luiz XIII – “Le mot État triomphe au debut du XVII siécle, à l´époque de Louis XIII et de Richilieu” – e a Universidade de Paris já era velha de quatro séculos, e a de Bolonha vinha de 1158, a da Alemanha de 1348, a de Lisboa de 1290.

“Nascida nas catedrais, desenvolvida nos mosteiros, a educação universitária era assunto “espiritual”, de que se incumbia a Igreja, dona da mundo civilizado. A cristandade era a civilização, a civilização a cristandade integrada no Sacro Império Romano. A lei emanava da vontade deliberada de um legislador – assembléia ou governante único. O direito era “achado” ou “recolhido” como um aspecto da vida coletiva. Por isto Ortega y Gasset pôde dizer, à comemoração do quarto centenário da universidade de Granada: `La Universidad significó um princípio diferente y originário, aparte, quando frente al Estado. Era el saber constituido como poder social. De aqui que apenas gana sus primeras batallas la universidad se constituya com fuero próprio e originales franquias. Frente ao poder político, que es la fuerza, y la Iglesia, que es el poder transcedente, la magia de la universidad se alzó como genuino y exclusivo y autêntico poder espiritual: era la inteligência como tal, exenta, nuda y por decirlo aí, en persona una energia histórica – La inteligencia como institución´” (ob. e loc. cits. pp. 34 e 35).

A autonomia universitária leva em conta quatro concepções:

– ao pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;

– a gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais;

– a gestão democrática do ensino público, na forma da lei.

– a garantia do padrão de qualidade.

Pois bem: essa escolha deve ser vista sob o manto dos princípios da autonomia universitária e ainda da supremacia do interesse público.

Prevaleceu no julgamento o entendimento do ministro Alexandre de Moraes.

Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes destacou que a opção legal pela escolha dos dirigentes máximos da Universidade em ato complexo (lista tríplice e a obrigação de escolha dentro dessa lista) constitua desrespeito à autonomia universitária, prevista no artigo 207 da Constituição Federal.

Ele traça paralelo com a situação do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, cujas autonomias não se veem ameaçadas pelo processo de escolha, pelo Chefe do Executivo, dentro de lista tríplice ou não, de seus futuros integrantes ou da chefia.

“Se o Chefe do Poder Executivo não pode escolher entre os integrantes da lista tríplice, não há lógica para sua própria formação, cabendo à lei apenas indicar a nomeação como ato vinculado a partir da remessa do nome mais votado”, destacou o voto divergente.

Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes destacou que a opção legal pela escolha dos dirigentes máximos da Universidade em ato complexo (lista tríplice e a obrigação de escolha dentro dessa lista) constitua desrespeito à autonomia universitária, prevista no artigo 207 da Constituição Federal.

Há para o presidente da República uma discricionariedade da escolha entre os integrantes da lista tríplice candidatos a reitor.

Exercida essa discricionariedade dentre de limites de razoabilidade e proporcionalidade, no respeito aos motivos e ao objeto do ato administrativo de nomeação, não há o que censurar. A legitimidade do ato de nomeação estará respeitada.

Ele traçou paralelo com a situação do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, cujas autonomias não se veem ameaçadas pelo processo de escolha, pelo Chefe do Executivo, dentro de lista tríplice ou não, de seus futuros integrantes ou da chefia.

“Se o Chefe do Poder Executivo não pode escolher entre os integrantes da lista tríplice, não há lógica para sua própria formação, cabendo à lei apenas indicar a nomeação como ato vinculado a partir da remessa do nome mais votado”, destacou o voto divergente.

Volto-me à Lei 9.192/92, que foi questionada em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Lá se diz que “serão nomeados pelo Presidente da República, escolhidos dentre os indicados em listas tríplices”.

A nomeação de um reitor de Universidade Pública Federal ou de Instituto Federal é um ato administrativo complexo. Começa pela eleição pelo colegiado, que escolhe uma lista tríplice, a ser colocada ao presidente da República, ad libitum.

Essa escolha pode ser feita pelo presidente da República, dentro dos limites da razoabilidade. Respeita-se a vontade universitária, em sua independência, e ainda a do presidente da República. A Constituição não exige que o primeiro da lista seja necessariamente o escolhido. O que não pode é o presidente da República nomear alguém fora da lista escolhida pela comunidade universitária, dentro de sua autonomia, que a Constituição lhe deu.

Ora, a lei em discussão, posta pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República acentua a autonomia universitária (lista tríplice) e o poder discricionário concedido ao chefe do Executivo Federal. Há, pois uma mescla na norma em obediência a dois princípios (autonomia universitária e supremacia do interesse público).

De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. p. 99), o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é inerente a qualquer sociedade, sendo “a própria condição de sua existência”. Deste modo, podemos inferir que o princípio em comento é um pressuposto lógico do convívio social.

Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 113) esclareceu que a “primazia do interesse público sobre o privado é inerente à atuação estatal e domina-a”. O autor frisa que essa supremacia “justifica-se pela busca do interesse geral, ou seja, da coletividade; não do Estado ou do aparelhamento do Estado”. Portanto, devemos abstrair interesse estatal e interesse público, aquele dos agentes administrativos, este dos administrados; aquele não tem o direito à primazia que este tem.

O presidente da República não está obrigado a nomear o primeiro da lista: pode nomear o segundo ou o terceiro. Não pode é sair dessa lista escolhida pela comunidade universitária. Esse o limite da razoabilidade. A Lei optou, nos limites do binômio: autonomia universitária e supremacia do interesse público. Ambos conjugam-se.

Princípios são mandamentos de otimização e como tal devem conduzir a correta escolha da opção exigida pela lei.

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