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STF deve manter critério racial na divisão de recursos de campanha em 2020

No próximo dia 25, começa no plenário virtual do STF o julgamento da decisão de Ricardo Lewandowski que obrigou os partidos a dividir de forma proporcional, entre candidatos negros e brancos.

O plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar no próximo dia 25 a decisão do ministro Ricardo Lewandowski que obrigou os partidos a dividir de forma proporcional, entre candidatos negros e brancos, o dinheiro do Fundo Eleitoral e o tempo de rádio e TV na propaganda gratuita da campanha deste ano. A tendência é que o STF mantenha a decisão, mas, até agora, os partidos não sabem como aplicar a nova regra.

O julgamento começará na véspera do prazo final para o registro das candidaturas, que termina no dia 26, e tem até uma semana para ser concluído. O cronograma apertado é alvo de queixas por parte de dirigentes dos partidos. O plenário virtual permite que os ministros analisem casos sem reuniões presenciais ou até mesmo por videoconferência, longe dos olhos da opinião pública.

Antes de Lewandowski decidir antecipar a vigência da nova determinação, praticamente 70% dos partidos (23, de um total de 33) registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já haviam informado à Corte quais seriam os critérios adotados para a partilha do Fundo Eleitoral, cujo valor neste ano é de R$ 2 bilhões.

Agora, na lista de dúvidas das legendas está a definição de procedimentos internos para a autodeclaração dos candidatos sobre a raça. Cabe a cada concorrente, por exemplo, informar à Justiça Eleitoral qual é a sua raça no momento em que registra a candidatura. Os partidos não sabem, por exemplo, se o dinheiro eventualmente reservado a candidatos negros — mas que não são negros — deve ser devolvido aos cofres públicos nem se eventuais irregularidades nesse quesito podem levar à cassação de candidaturas. Um dos temores explicitados por integrantes do próprio TSE é que partidos decidam não aceitar candidaturas de negros.

Na prática, a lei eleitoral não obriga os partidos a lançar número mínimo de candidatos negros. A medida assinada por Lewandowski, em caráter liminar, determina a repartição dos recursos e do tempo da propaganda de forma proporcional entre concorrentes brancos e negros –, o que pode ensejar outra polêmica.

“Acho que o partido que adotar uma prática discriminatória vai ter o ônus político de ser um partido racista e as pessoas negras vão para outro lado e com a denúncia grave de mais um caso de discriminação. É sempre muito difícil quebrar o status quo, mas eu também não imaginaria não dar um direito que nós consideramos legítimo pelo temor de que os outros vão tentar tirar esse direito”, disse o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, em junho, quando a discussão foi iniciada.

Em agosto, o TSE havia decidido que a reserva de recursos para candidatos negros só valeria a partir das eleições de 2022, mas a liminar de Lewandowski antecipou a adoção das novas regras para a campanha municipal deste ano. As eleições para prefeitos e vereadores estão marcadas para novembro. Os partidos têm até esta quarta-feira (16) para realizar convenções e escolher quem vai representá-los nas urnas.

Até agora, do total de R$ 2 bilhões do Fundo Eleitoral, R$ 688,8 milhões já foram distribuídos para uma lista de 12 partidos (36,3% do total): PSDB, PL, PMB, Solidariedade, PSC, Patriota, PTB, PSD, PTC, Pros, Cidadania e PV. O Novo e o PRTB abriram mão de receber dinheiro do fundo para financiar as campanhas.

O objetivo da decisão do TSE, que teve os efeitos antecipados por Lewandowski, é corrigir distorções e evitar que os partidos continuem privilegiando homens e brancos na distribuição de verbas para as campanhas, além de barrar a discriminação de candidatos negros. Para dirigentes partidários, no entanto, Lewandowski mudou as regras do jogo com os preparativos eleitorais já em andamento e, com isso, há o risco de políticos negros sofrerem discriminação.

“Antes mesmo de qualquer decisão, já havíamos iniciado um processo de valorização das candidaturas de negros. Recentemente eu me reuni com o MDB Afro, que ficou de nos indicar todos os candidatos negros do partido no País. De todo modo, esperamos as orientações da Justiça Eleitoral sobre as eleições de 2020”, disse o presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP).

O advogado Leonardo Freire, presidente da Comissão de Direito Eleitoral e Combate à Corrupção Eleitoral da OAB Guarulhos, é a favor da divisão de recursos proporcional entre candidatos brancos e negros, mas ressalva que a medida deveria ter sido tomada pelo Congresso, e não pelo Judiciário. “A decisão, a meu ver, fere o princípio da anualidade da lei eleitoral, que estabelece que leis que influenciem no processo democrático apenas podem ser aplicadas se entrarem em vigor ao menos um ano antes das eleições”, afirmou. “Qualquer modificação no sentido de alterar a fórmula de repartição dos investimentos de campanha, após o período de filiação partidária, gera enorme instabilidade jurídica.”

Injustiça. Os partidos tradicionalmente privilegiam homens e brancos na divisão do dinheiro. Segundo o Estudo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado no ano passado, enquanto 9,7% das candidaturas de pessoas brancas a deputado federal em 2018 tiveram receita igual ou superior a R$ 1 milhão, entre pretos ou pardos, 2,7% receberam pelo menos esse valor.

Para o advogado Irapuã Santana, que entrou com a ação no STF pedindo a antecipação das novas regras, o Supremo está “diante de uma grande oportunidade de extinguir uma injustiça”. “Confio que o plenário do Supremo será sensível à causa negra e à desigualdade existente entre as candidaturas negras e brancas, que já foi amplamente comprovada e discutida no Tribunal Superior Eleitoral, e irá referendar a decisão liminar do ministro Ricardo Lewandowski, que foi extremamente técnica”, argumentou ele.

Na avaliação de Raimundo Augusto Fernandes Neto, presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-Ceará, a decisão de Lewandowski causou surpresa. “Não que a medida não seja justa. No entanto, da forma como foi feita, essa decisão, no nosso entendimento, foi açodada porque mudou as regras do jogo eleitoral quando já iniciada a partida”, disse Fernandes Neto.

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