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Em algumas questões clássicas de geometria, só é possível traçar a figura solicitada se quem tenta solucionar o problema prolonga as linhas para além do quadrado que, supostamente, determina a extensão máxima das mesmas. A ruptura com a regra aparente é a única maneira de se encontrar a solução desejada. Ao anunciar sua determinação de conversar com o governo do Irã, ao mesmo tempo em que informava que não negociará com o Hamas, a futura secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, rompe os limites aparentes dentro dos quais a questão do Oriente Médio, supostamente deve ser resolvida. É uma decisão que inova o debate sobre uma região sacudida há um mês a área pela Guerra da Faixa de Gaza, sangrenta, crescente e inútil.

Votada em 1947 pelas Nações Unidas, a partilha da Palestina, entre palestinos e judeus, nunca chegou a ser executada nos termos decididos pela organização internacional. Difícil creditar todo o estrago das sucessivas guerras ali ocorridas ao mufti de Jerusalém, como se fez no clássico “Exodus”, filme que Otto Preminger dirigiu com base num romance de Leon Uris, ou inversamente, apenas ao sionismo messiânico que insiste em manter ampliar acampamentos judaicos na Cisjordânia. Se o leitor tem como vizinho alguém que o ignora e nunca lhe diz bom dia, experimenta, cada vez que cruza com ele ao entrar ou sair de casa, uma compreensível sensação de mal estar. As coisas se complicam caso o grosseirão, além disso, ao completar a limpeza de sua moradia, joga o lixo no seu quintal. Ou abre intencionalmente, no muro entre as casas, um buraco pelo qual o rottweiller dele pode vir passear em sua casa quando seus filhos brincam no quintal.

A política do Hamas, que além de negar reconhecimento a Israel, cultiva a praxe de lançar diariamente centenas de mísseis sobre território do vizinho facilitou muito a aceitação, pela opinião pública israelense, da decisão do Kadima, partido supostamente centrista que governa o país, de bombardear e invadir a faixa de Gaza. Pequenina (450 km2, um terço do município do Rio de Janeiro) a faixa é habitada por 1,4 milhão de habitantes. Isso dá uma média de quase 4.000 pessoas por quilômetro quadrado, uma das maiores do planeta, e explica porque ali as mortes por bombardeio entre os palestinos têm sido tão numerosas. Em relação a essa população numerosa, jovem e sem perspectivas o Hamas tem tido uma atuação que lembra, em mais de um aspecto, a das quadrilhas e milícias que controlam parte do território do Rio de Janeiro: supre a população contrabandeando para a área aquele mínimo que o bloqueio de Israel não permite passar – e oferece como paga a cobiçada coroa do martírio. A decisão de Hillary fundamenta-se na constatação da impossibilidade de se chegar a um denominador comum entre a geopolítica do messianismo sionista e o projeto antagônico de um império islâmico contemporâneo.

Não há como lidar com tal questão se não se levar em conta o papel central que passou a ser desempenhado pelo Irã desde que, em 1979, retornando do exílio, o falecido aiatolá Khomeini (1900/1989) derrubou o governo do xá Reza Pahlevi e instalou uma ditadura teocrática. Os iranianos são muçulmanos xiitas, mas não são árabes. Aparentemente estariam fora, pois, de uma pendência entre árabes e judeus. Mas é o governo de Teerã que supre o Hamas. Por isso, Hillary está saindo dos supostos limites da questão e tentando envolver o Irã numa situação em que ele tem sido um dos agentes mais ativos, ainda que ocultos. É melhor conversar com o adversário que decide que com aquele que apenas executa o que outro resolveu.

Em duas ocasiões diversas, uma como político de oposição, noutra como integrante do governo, Shimon Peres, atual presidente de Israel, disse-me que o grande problema de seu país era o de só ter como vizinhos governos ditatoriais. Tal situação, a seu ver, dificultava qualquer tipo de entendimento para uma convivência pacífica, pois os Estados circundantes se recusavam a dar sequer o passo inicial: reconhecer a existência de Israel e seu direito à sobrevivência pacífica. Peres está certo. Transportando sua análise para o momento atual é possível afirmar que o mundo precisa da existência de um Estado palestino unificado, que consiga flexibilizar os freios religiosos, com governo democraticamente eleito num processo supervisionado pelas Nações Unidas e por observadores internacionais. Só um estado assim terá condições de, em diálogo com um governo de Israel que também descarte o projeto geopolítico de restaurar as fronteiras do tempo do rei Davi, teria força moral para acabar com a Guerra de Gaza e com os constantes enfrentamentos ocorridos na Palestina desde a decisão de ONU em 1947.

Neste momento, esse projeto não tem como ser buscado seriamente sem que o Irã rompa o seu isolamento e volte a dialogar com o mundo. Pode-se dizer, com justiça, que desde 1979 a república dos aiatolás pouco tem feito nesse sentido. Mas a verdade é que a chances a ela oferecidas para tanto também têm andado muito próximo do zero.

* Antonio Carlos Pannunzio é deputado federal e membro da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional

 

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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