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*Arthur Teixeira Junior

Imagem: Divulgação / GP1Clique para ampliarArthur Teixeira Junior(Imagem:Divulgação / GP1)Arthur Teixeira Junior
Acordei no meio da madrugada, sem mais um pingo de sono. Pego o controle remoto para ligar a TV e, pela primeira vez, observo a quantidade de botões que este tão pequeno acessório possui. Conto 61, alguns com mais de uma função. Mas porque um número primo? Para que tantos controles? Desanimado, percebo que não sei para que serve a grande maioria deles, mesmo porque só utilizo aquele botãozinho vermelho onde está escrito “power” e as setinhas para mudar de canal. Para alterar o volume, uso o botão que está na TV, pois não achei ainda seu correspondente no controle remoto.

Lembro-me que a primeira TV que tivemos, uma Admiral 24”, embutida em um móvel que parecia uma cristaleira, tinha somente dois botões: o da esquerda, ligava e regulava o volume; o da direita, mudava aos trancos os canais de 2 a 13 (nunca soube porque não existia o canal “1”). E funcionava tão bem como as de hoje, com uma vantagem: quando quebrava, tinha conserto. O japonês que cuidava do funcionamento de nossos eletrodomésticos, sempre atendia em nossa própria casa, com sua malinha de couro que lembrava-me a da Mary Poppins. Desparafusava o fundo da TV e, com um sorriso oriental triunfante, sacava daquele caixote empoeirado uma válvula que parecia uma lâmpada preta com um carocinho em cima e um monte de pinos embaixo. Meu pai ia no dia seguinte comprar uma nova na Rua Santa Efigênia, e a TV voltava a funcionar. Hoje, qualquer eletrodoméstico quebrou, jogamos fora. É mais barato...

Quando meu Chevette 74 pifava, era só soltar o distribuidor e dar uma lixadinha no platinado. Ou assoprava dentro do carburador, depois de sacar o filtro de ar. Em casos mais graves, qualquer mecânico da esquina, com seu macacão ensebado e as unhas pretas de graxa, consertava, recebendo alguns trocados. Meu carro atual, ano 2010, parou e tive que rebocá-lo quase 200 km para ser atendido por um mecânico vestido de médico. Trocou uma peça que parecia uma barata (ele chamou de chip) e cobrou-me o preço que daria para comprar meu Chevette de volta.

Quando da inauguração do Edifício onde sou servidor público, o então Diretor Administrativo do Órgão enchia a boca para falar: esta obra é um edifício inteligente!
Referia-se certamente as torneiras e válvulas de descarga sanitárias automatizadas, que dispensam o acionamento manual, aos portões deslizantes, as portas munidas de sensores e principalmente aos elevadores, onde uma voz feminina metalizada anuncia os andares de parada, dá avisos educativos e alertas corretivos.

Mas eu diria mais: na verdade, não estamos trabalhando em um edifício inteligente. Trata-se de um edifício com vontade própria. A torneira só funciona quando ela quer, esguichando água sempre na direção errada. A descarga sanitária ou não funciona, ou quando funciona não desliga mais, regurgitando por debaixo da porta o que havia em seu interior. A porta giratória permite o acesso de quem ela bem entende. O portão do estacionamento permanece aberto ou é acionado manualmente, depois de ter deixado alguns servidores que queriam sair, presos em seu interior. Ninguém mais dá bola quando o alarme de incêndio dispara, depois de muitos rebates falsos.

Mas os elevadores são um caso a parte, o cúmulo da rebeldia da máquina contra seu criador. Todos embarcam, a voz delicada anuncia “sobe”, e quando as portas se abrem (quando abrem) estamos todos no subsolo. “Sexto andar” (o andar de maior movimento) berra o alto falante, e os velhinhos são despejados no sétimo andar, onde funciona uma área de descarte. As portas, que contam com modernos sensores de segurança, volta e meia esmaga um usuário. Quando prendeu, dando uma grande espremida naquela diretora esnobe, alguns juram que escutaram uma abafada risadinha proveniente daquela máquina vingadora.

Mas acabo de apertar um botão neste maldito controle remoto e a tela da TV ficou toda azul. Acho melhor eu voltar a dormir. Amanhã peço para meu filho, que se dá melhor com estas modernices, tentar reverter esta operação equivocada.

*Arthur Teixeira Junior é articulista e escreve para o GP1

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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