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*Arthur Teixeira Junior

Imagem: DivulgaçãoClique para ampliarArthur Teixeira Junior(Imagem:Divulgação)Arthur Teixeira Junior
Quando ainda cursava o ginasial, pegava diariamente o ônibus Penha-Lapa da CMTC (Cia. Municipal de Transportes Coletivos/SP). Não havia catraca, e o cobrador ia de passageiro em passageiro cobrando as viagens, com o dinheiro miúdo enfiado entre os dedos de uma mão e preso à cinta um bloquinho de passagens do qual ele destacava uma e dava-nos como comprovante. De vez em quando, um fiscal entrava no ônibus e ia verificando se todos tinham passagem, picotando com uma espécie de alicate os papeizinhos que tínhamos na mão. Quando queríamos descer, puxávamos um cordão que ficava preso rente ao teto, e uma estridente sineta soava lá na frente.

Hoje deixei meu carro na revisão e fui trabalhar de ônibus. Fazia muitos anos que eu não andava de ônibus. O coletivo não estava lotado, mas não havia assentos vagos e alguns passageiros viajavam de pé. Uma jovem, com aspecto estudantil, levantou-se e gentilmente ofereceu-me o lugar para sentar.

Tive vontade de arrancar-lhe a tapas aquele pircing nojento que tinha preso ao nariz, e aos safanões fazê-la sentar novamente, berrando que “velho é o pai dela, se ela o conhecesse!” – mas achei que não ficaria bem e, constrangido, aceitei a oferta. Foi a primeira vez que senti que a idade estava chegando.

Você percebe que está ficando velho quando abre o jornal e vai direto ao obituário, ver se tem alguém conhecido que empacotou; quando você não sabe quem é o atual técnico da Seleção, mas sabe toda a escalação da Seleção Tricampeã de 1.970; quando vai ao supermercado e fica procurando aqueles produtos que há anos não fabricam mais; ou vai à banca de jornal perguntar se já saiu a última edição da “Manchete”. Quando, com dor de cabeça, fui à farmácia comprar uma “Cibalena”, o balconista olhou-me como se eu tivesse acabado de descer de uma espaçonave.

Resolvi, como fazem todos aqueles que começam a sucumbir à idade, vasculhar meus álbuns e recordações de infância e adolescência. A Ritinha, minha primeira namorada (embora ela não soubesse disso) estava lá. Dona Gladys, quem me ensinou as primeiras letras. Minhas medalhas do tempo de Basketbool (que se chamava Bola-ao-Cesto). Meus cadernos de tabuada. E subitamente, deparei-me com aquele maldito livro de espanhol.

O problema nunca foi a matéria em si. Era a professora. Uma gorda venezuelana, provavelmente foragida da Revolução de Simon Bolívar, beata fervorosa (conhecida como papa-hóstias), que escrevia missais e tinha sempre a mão um terço ensebado, mas na verdade era uma cascavel disfarçada de pomba da paz. Usava sua amizade com o diretor para dedurar os alunos que namoravam escondido no recreio, interceptava bilhetinhos apaixonados e os lia em voz alta para toda a classe, matando de vergonha o autor e a destinatária, dava sabatinas surpresas (sabatinas eram como chamavam as provas de avaliação) e lotava nossos finais de semana com extensas leituras em espanhol. Foi a responsável por minha única 2ª época do ginásio, como chamavam a recuperação de quem não obtinha média para aprovação.

Quando, franciscanamente, acolhi em casa uma cadela vira-latas abandonada, dei-lhe seu nome, pensando em me vingar. Mas com o tempo, fui pagando com amor as mágoas sofridas, e passei a alimentá-la generosamente, saciar sua sede e uma vez por mês levá-la ao Pet-Shop para um bom banho, tosa e principalmente vacinação. Mas tenho meu lado humanamente vingativo: diariamente, antes de ir ao trabalho, dou um belo chutão no grande rabo da Socorrita.

*Arthur Teixeira Junior é articulista do GP1

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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