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*Zé da Cruz poeta

“Olho para o relógio: são 12:30. Essa é a hora que levanto após mais uma noite em claro fumando CRACK. Estou esquelético, minha boca amarga. minha cabeça parece que passou um trem. Meu estômago embrulhado dá a impressão que comi um cachorro vivo que tá querendo sair.Essa é minha vida de um seis meses pra cá. Fumo pra viver, vivo pra fumar. O barato é louco e o bagulho é doido. Tudo começou naquela fatídica noite de sábado quando num desses embalos advertidamente provei a pedra, a brita, a do óleo mesclada com a cannabis. Cara, pense numa viagem legal...achei massa!! Naquela brincadeira entrei nuns três. Aquela lombra foi da hora. Eu já fumava um Black vez por outra, mas o crack me empolgava mais e mais. Assim fui tocando minha vida e comecei a fazer parte de um circulo de amigos que venerava a pedra, os “nóias”, e contava uma vantagem danada quando passava a noite ou momentos na brita. Descobri com parceiros que podia fumar na lata pra absorver ainda mais o efeito da bicha. Pra quem não sabe: você pega uma lata de refrigerante dessas de alumínio faz pequenos furos, coloca cinza de cigarro, uma cabecinha da pedra e aí fica uma verdadeira piteira do diabo. Depois daí, você vai direto pro inferno sem passar no purgatório.Começa a mentir e a roubar a primeira vítima é a família, depois os amigos e por fim os estranhos. Perde a auto-estima, o interesse pelos filhos, esposa, pelo emprego, pela mãe, pai, estudos? Esse mesmo é que não rola. A gente volta ao estágio primitivo, vira um zumbi. Quando é casado torna a relação com a família insuportável: ou sai ou fica na casa. Se fica, vende tudo: portas, janelas, telhas, madeira. Só não vende o terreno se não puder”.

Essa é a realidade dura e cruel de um doente viciado no crack. Não quero fazer apologia às drogas, mas chamar a atenção pra essa epidemia que é mais séria que parece. Quero destacar a importância da caminhada realizada recentemente para alertar a população dos perigos que essa chaga representa à sociedade. Como um soldado do povo fui dar minha força. Fui todo de branco usando a rigor o traje sugerido pelo cerimonial do evento. Menino, lá tinha gente demais da conta. Os conferidores da peble contaram quase dez mil pessoas. Todos os segmentos estavam representados. O cerimonial não registrou minha presença, talvez porque eu não seja importante dentro da avaliação política dos eleitos pelo povo. Mesmo assim sinto-me um militante ativista das causas populares. Fui reconhecido e cumprimentado por muitos e muitas que assim “que nem que eu” estavam ali prestigiando o evento: representantes LGBT, pessoas com deficiência, Movimento de mulheres, estudantes, religiosos de todos os credos, Movimento Negro (eu também tô no meio). Todos os responsáveis pelas pastas do governo do Estado e da Prefeitura estavam lá. Quem era doido de faltar? Numa ocasião dessas, secretário vai até de maca pra ficar bem na foto com o governador e o prefeito.

Muitos parlamentares também compareceram, começando de cima vi por lá um senador bem recepcionado pelo povo. Deputado federal vi três: o dos idosos, o do partido do homem, e o que era do DETRAN, que defende desarmamento e o voto livre. Vi também que uma deputada (a nossa única federal) não foi, mas teve a cara de unha de gato de mandar faixa com seu nome afirmando que apoiava aquela causa. Além da faixa, toda a assessoria da parlamentar usava uma camiseta com a logomarca da campanha. Aliás, só faltou mandar escrever atrás: “Fui eu que paguei”.

A outra parlamentar foi a vereadora do fumo de rolo. Compareceu com camiseta da campanha anti-fumo e aqueles banners que ela leva pra onde vai. Só faltou prestar conta do mandato. Aí não tem quem agüente. Resumindo a ópera dessas parlamentares: uma achava que tava numa convenção; a outra numa gincana. Dos deputados estaduais só não apareceram os tucanos que voavam em outras paragens. Aliás, um ex-prefeito (tucano de nobre plumagem) fez um comentário infeliz ao dizer que a caminhada teve a intenção de desmobilizar a convenção psdebista naquele dia. Coitado, com uma mão no cano outra no feixe, ele não entende que o combate ao crack deve ser uma ação apartidária, ecumênica, de gregos e troianos, do penca mais do “lenca”, e até do que ronca e do que fuça. É uma luta de todos, e ai de quem pensar o contrário!!

Vi a caminhada se transformar num desfile de sentimentos, com pessoas imbuídas num só objetivo: combater o crack e mostrar que nosso povo é solidário e não vai deixar nossos irmãos doentes na mão. O clima de solidariedade era contagiante. Funcionários do HGV acenavam e batiam palmas como se vissem naquela multidão uma luz no fim do túnel.

Mesmo com o sucesso da caminhada, fico preocupado com o aumento acelerado do consumo do crack, que se tornou uma verdadeira epidemia. O combate requer mais que propaganda. São necessárias medidas mais duras como o combate ao tráfico e o tratamento intensivo com acompanhamento psicossocial para os doentes, alguns já em fase terminal em decorrência da devastação que essa droga faz no organismo humano. Além de combater e tratar é importante adotar ações preventivas que a curto, médio e longo prazo sairão muito mais baratas. Pena que não seja assim que alguns enxergam o problema. Ou será que tem alguém do topo da pirâmide querendo tirar proveito disso?

Se aceitam uma sugesta uma excelente saída é fortalecer as políticas sociais de base, viabilizar iniciativas como a da Associação Piauiense da Cultura Hip Hop – QI, que trabalha com jovens e adolescentes da periferia de Teresina e de todo o Piauí ensinando dança, grafite, poesia, revelando talentos latente nas comunidades, fazendo meta-reciclagem de computadores, gravando CD em estúdio próprio e oferecendo acesso à internet através de um Ponto de Cultura. E detalhe: um trabalho todo VOLUNTÁRIO, assim como é VOLUNTÁRIO o trabalho de um policial da Banda da Polícia Militar num outro Projeto Social da zona sul: o Trampo Musical que ensina música com instrumentos de sopro a crianças e jovens da periferia. Um excelente projeto desativado por falta de paletas para os instrumentos e de lanche para os participantes. Aliás, o projeto do QI também tá devagar quase parando por falta de estrutura.

O curso de computação, ação desenvolvida no Centro Integrado Deputada Francisca Trindade, já beneficiou cerca de quinhentos jovens e adultos com o curso básico de informática. Em 2008, o Centro ofereceu, em parceria com o governo federal, o Comunidade Frutífera, um pré-vestibular que conseguiu aprovar doze jovens. Um deles, aprovado em três instituições, recebeu menção honrosa no Karnac. Infelizmente, o exemplo de nada serviu pra melhorar a realidade dos outros nem ajudar os mais de trezentos meninos do Parque São Jorge que tem bola e equipe, mas falta um campo que não precisa ser como o do Santo Antonio, com alambrado e holofotes. Uma terraplanagem e duas traves resolveriam o problema de lá, do Eldorado dos Carajás, do 17 de abril, da Vila Madre Teresa, Esplendor, da Santa Luz etc; e ainda aproveitaria o Batista, que treina a molecada com recursos próprios. Enquanto falta tudo isso na periferia de Teresina, a Prefeitura queria custear escolas de samba com um dinheiro que poderia ser investido nessas crianças. Precisamos sair do discurso, ir às vias de fato. As ações que citei são pequenas medidas que podem se tornar grandes, mas como a esperança é a ultima que eles matam, me agarro a ela certo de que venceremos essa guerra suja e desleal.

A caminhada encerrou na Praça Edgar Nogueira próximo ao Palácio Petrônio Portela, à Câmara dos vereadores, em frente ao TRE, e vizinho à OAB. Com tanta autoridade como testemunha tende a dar certo. No discurso de encerramento, o governador falou do interesse em trabalhar no assunto e blá,blá,blá!!!.

O percurso da caminhada foi do karnac à Assembléia Legislativa, mas espero que essa luta possa ir muito mais longe com medidas práticas pra resolver. O embate é pesado!!! O mais é torcer pela vida e esperar a cura.

*Zé da Cruz poeta e liderança comunitária
[email protected]

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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