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*Deusval Lacerda de Moraes

Imagem: ReproduçãoClique para ampliarDeusval Lacerda de Moraes (Imagem:Reprodução)Deusval Lacerda de Moraes
A frase “Ainda há juízes em Berlim” remete a um caso que se tornou famoso na Europa. E que traduz a esperança de quem se acha surrupiado nos seus direitos, mas que ainda acredita que exista, em alguma instância, quem zele pela lei e, exatamente por isso, há de reconhecer e reparar seus direitos postergados e, assim, aplicá-los dentro do ideal da verdadeira justiça, independentemente da condição política, econômica e social do indivíduo ou dos segmentos prejudicados. A expressão tem uma história que, antes de tudo, é importante lembrá-la.

Era o ano de 1745, na Prússia, atual Alemanha. Um moleiro tinha o seu moinho nas cercanias do Palácio do rei Frederico II, déspota esclarecido, amigo dos intelectuais. Um dos puxa-sacos do soberano tentou removê-lo dali, porque julgava que aquilo maculava a paisagem. Ele se negava a sair. Frederico II o chamou para saber a que se devia a sua resistência. E ele, então, teria dito a célebre frase: “Ainda há juízes em Berlim”. Para o moleiro, a Justiça, aquela com a qual contava, não haveria de distingui-lo do rei. E assim repararia qualquer lesão ou ameaça de lesão indistintamente.

A frase está sendo aplicada nesta oportunidade por referir-se às instâncias do Poder Judiciário do Brasil em razão da sociedade civil piauiense se encontrar afrontada em seus direitos, quando, no Estado Democrático de Direito, a escolha do novo Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE/PI) recaiu sobre a esposa do atual governador do Piauí e chancelada pela Assembléia Legislativa, em ato de total desrespeito aos comezinhos princípios da Administração Pública - por ser no mínimo antiética e amoral -, sendo, portanto, de bom alvitre que as entidades civis organizadas do Estado tomem as providências legais cabíveis. Pois já se sabe da impetração da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN nº 4770 – Relator Cezar Peluso) proposta ao Supremo Tribunal Federal-STF pela Federação Nacional de Combate a Corrupção.

Apenas para ilustrar o embaraço causado ao bom andamento da gestão pública piauiense, a nova Conselheira do Tribunal de Contas vai julgar apenas as prestações de contas dos adversários políticos do seu marido-governador. Porque vai se julgar suspeita na apreciação das suas próprias prestações de contas na Secretaria de Saúde e dos prefeitos municipais que lhe apoiaram para deputada estadual, bem como nas do seu cunhado na Secretaria de Desenvolvimento Rural, nas da sua sobrinha prefeita de Santa Cruz (Jandira Martins) e, sobretudo, em todas as prestações de contas do atual governo estadual, por seu esposo ser o titular. E, ainda por cima, não poderá julgar as contas dos prefeitos municipais que apóiam político e eleitoralmente o seu marido e, muito menos ainda, os que doravante apoiarão o atual governador em sua eventual jornada político-eleitoral no Estado. Então, o que ela vai fazer mesmo no Tribunal de Contas do Piauí? Apenas julgar as prestações de contas dos gestores que se julgar desimpedida, que são ou serão os administradores contra o seu esposo-governador.

E o pior é que os colaboradores da sua assunção ao Tribunal devem conhecer de cor e salteado os “ensinamentos” de Maquiavel. Porque aprovaram o seu nome numa sessão extraordinária na Assembléia numa sexta-feira que antecedia um feriado longo de final de semana que se estendeu até na terça-feira, mas já no primeiro momento do dia útil subseqüente ao feriadão, na quara-feira, empossaram-na como Conselheira.

Observando bem, as Cortes de Contas no Brasil foram criadas para exercerem o inexorável papel de fiscalizar a Administração Pública brasileira. Após a Proclamação da República (1889), durante o governo provisório do Marechal Deodoro da Fonseca, sob orientação do Ministro da Fazenda, Rui Barbosa, foi criado o Tribunal de Contas no Brasil para julgar a gestão dos administradores públicos que sempre confundiram o público com o privado. Por não cumprirem com as suas funções originais, houve um movimento para extingui-los na Constituição de 1988, mas os políticos não deixaram e, hoje, são Cortes que julgam gestores geralmente oriundos da política, mas na grande maioria das vezes é composto também por julgadores ex-políticos e, para piorar, escolhidos pelos políticos. Assim não dá!

*Deusval Lacerda de Moraes é Pós-Graduado em Direito

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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