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GP1
Por Arthur Teixeira Junior*

Imagem: ReproduçãoArthur Teixeira Júnior(Imagem:Reprodução)Arthur Teixeira Júnior

Hoje pela manhã, como faço todas as semanas, fui barbear-me. No caminho ao banheiro fui pensando: “alguns anos atrás, eu fazia a barba praticamente todos os dias e um barbeador dava para uma, no máximo duas utilizações. Hoje, o ritual é semanal e não me lembro da última vez que troquei de barbeador.” E quando olho-me no espelho, penso comigo mesmo: “quem é este cara?”.

O velho bordão “o tempo é implacável”. Mas eu pensei que só valia para os outros, nunca para mim. Acostumei-me a ver na TV artistas e esportistas do passado, que julgava não ser tão distante assim, e pensar comigo mesmo: “xiiii..., como está acabado...”.

Os sinais do tempo, indicando que você está mais perto da linha de chegada do que da de partida, são visíveis, para quem quer vê-los, não somente em seu corpo, mas em suas atitudes e nas atitudes dos outros com você.

Não é muito difícil perceber, basta somente prestarmos mais atenção.

As crianças na rua, que quando dirigiam-se a você, lhe diziam “moço, chuta a bola para mim”, hoje dizem “sai da frente, tio!” ou “vô, cuidado com a bola!”. No supermercado, na fila do açougue ou do caixa, algumas pessoas lhe indicam a fila do atendimento prioritário. Os ônibus não param mais para você, temendo o vale-transporte-idoso. Os outros motoristas não lhe xingam mais, limitando-se, quando de uma falha sua no trânsito, a balançarem a cabeça de um lado para o outro e contraírem os lábios, como se pensando “coitado”.

Comecei a observar melhor minhas atitudes e as dos outros em relação a mim. Quando abro um jornal impresso (os da internet deixam meus olhos ardentes), antigamente ia direto para as páginas de esportes. Hoje vou ao obtuário, ver se lá encontro o nome de algum conhecido ou excolega da faculdade. No meu local de trabalho, já não me atribuem tarefas complexas ou convidam-me para participar de algum treinamento. Quando aqui comecei a trabalhar, algumas estagiárias não entravam comigo sozinhas no elevador, ficavam visivelmente constrangidas quando eu as convidava para sentarem-se ao meu lado para explicar-lhes o serviço, ficavam coradas quando eu lhes dirigia qualquer elogio. Ontem, uma delas sentou-se em cima de minha mesa, no cantinho, cruzou suas (belas) pernas e perguntou-me, quase sussurrando, se eu não aceitava um pedaço de bolo que estava super macio...Duas coisas: o fato do bolo ser destacado como super macio, quis na verdade dizer “pode comer que você consegue, sua dentadura aguenta”. E ela expondo-se assim mostrava a todos, e a ela mesmo, que eu não oferecia mais perigo...

Tenho que aceitar a realidade, com dignidade. Melhor do que faz aquela minha colega que encontrei esta semana no estacionamento, contemporânea minha, vestindo um vestidinho curto e apertado, equilibrando-se em uma sandália de salto fino e alto, maquiagem exagerada, óculos escuros e enormes brincos. Lembrou-me aqueles bonequinhos que fazíamos nos sábados de Aleluia e depois malhávamos.

Temos que saber envelhecer com dignidade, aceitar o irreversível tempo que passa cada vez mais rápido. Temos que lutar contra o preconceito, a discriminação e o isolamento. Não contra o tempo.

Mas, deixa eu parar de divagar, fazer logo a barba, tomar meus remédios e sair correndo, digo, caminhando, pois estou atrasado para a missa das seis.

* Arthur Teixeira Junior é funcionário público

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*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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