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Audiência de Custódia: garantia do Direito Internacional Público


*Jacinto Teles Coutinho

Imagem: DivulgaçãoJacinto Teles(Imagem:Reprodução)Jacinto Teles
Preliminarmente, antes de se adentrar à essência da discussão ora apresentada, é necessário que se entenda minimamente o que é o Direito Internacional Público e, neste sentido buscamos na obra do renomado professor de Direito Internacional Público, Paulo Henrique Gonçalves Portela (2013), o seu conceito, veja-se:

“O Direito Internacional Público é o ramo do Direito que regula as relações internacionais, a cooperação internacional e temas de interesse da sociedade internacional, disciplinando os relacionamentos que envolvem Estados, organizações internacionais e outros atores em temas de interesse internacional, bem como conferindo proteção adicional a valores caros à humanidade, como a paz e os direitos humanos. [...]. (Portela, 2013, p. 57)”

Da mesma forma, é imprescindível que se entenda também o que é, fundamentalmente a audiência de custódia. Esta por sua vez, consiste no fato de que, aquele que for levado à prisão deva ser ouvido sem demora, o que quer dizer: imediatamente pela autoridade judiciária competente. Deve se apresentar incontinenti ao juiz habilitado para essa finalidade.

Trata-se de um princípio fundamental do Direito Internacional Público, que há muito é amparado no Direito das Gentes, tal medida é essencial para garantir que o preso seja levado ao estabelecimento penal em situação absolutamente compatível com a lei, sem que sofra qualquer tipo de violação, sobretudo a tortura.

No Brasil o Direito Público Interno, positivado nas leis vigentes, não regulamenta essa matéria, ressalvado o caso previsto no art. 287, do Código de Processo Penal no que pertine ao crime inafiançável, o dispositivo legal mencionado diz textualmente: “Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará à prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado.” Do contrário, esse preso pode ficar sem se avistar com o um juiz competente por muitos meses, o que é corriqueiro em nosso Território.

Ante essa breve exposição, não há como dissociar a “audiência de custódia” do Direito Internacional Público dos Direitos Humanos, haja vista que o Brasil é signatário do Pacto de Direitos Civis e Políticos, promulgado por meio do Decreto nº 592, de 06 de julho de 1992, que reconhece a todos os membros da família humana direitos iguais e inalienáveis, constituindo a dignidade da pessoa humana o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Nesse mesmo entendimento, o item 3 do Artigo 9 do referido Pacto, estabelece que:

“3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença.” [...].

De igual forma, este país é signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), incorporado à nossa ordem jurídica interna por meio da promulgação do Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992, que antes, neste particular, cumpriu todos os pontos exigidos pelo processo legislativo, que traz igual determinação no item 5 do seu Artigo 7 que trata do Direito à Liberdade Pessoal, ipsis litteris:

“5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.” [...].

Assim, é de fácil entendimento as normas constantes dos Tratados Internacionais mencionados, que são de clareza inquestionável, ao orientar que o detido deve ser conduzido sem demora à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais.

É importante destacar que está em trâmite no Congresso Nacional, especialmente na casa representativa dos Estados-membros, ou seja, no Senado Federal, o Projeto de Lei – PLS nº 554/2011, de iniciativa do senador Antônio Carlos Valadares, que tem como escopo alterar o art. 306 do Código de Processo Penal (CPP), instituindo a obrigatoriedade de que todos os presos sejam apresentados ao magistrado competente no prazo de 24 horas após sua prisão, conforme consta literalmente do art. 1º, § 1º, do Projeto em referência, in verbis:

“Art. 1º O § 1º do art. 306 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 306......................................................................................................(sic)

§ 1º No prazo máximo de vinte e quatro horas depois da prisão, o preso deverá ser conduzido à presença do juiz competente, ocasião em que deverá ser apresentado o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.” [...].

O projeto em referência data de 2011, todavia, estamos em 2015, lamentavelmente o processo legislativo no Brasil, quando não interessa aos anseios gerais e pessoais dos parlamentares, é tão moroso quanto o processo judicial, celeridade mesmo só quando está em pauta proposições do tipo auxílio moradia, inclusive aos magistrados e financiamento de passagens aéreas para os cônjuges dos legisladores, basta observar o tempo recorde que esse benefício foi aprovado na Câmara dos Deputados recentemente.

Diante da inércia do Congresso Nacional frente ao projeto de autoria do diligente senador Antônio Carlos Valadares, só resta-nos cumprir os Tratados Internacionais acerca da matéria ora em discussão.

Ainda sobre o tema é salutar destacar o que nos ensino o estudioso do Direito Internacional Público, Paulo Henrique Gonçalves Portela (2013), que em sua obra assim se manifesta acerca da obrigatoriedade dos tratados na ordem jurídica nacional, senão vejamos:

“O tratado promulgado incorpora-se ao ordenamento jurídico brasileiro e, dessa forma, reveste-se de caráter vinculante, conferindo direitos e estabelecendo obrigações, podendo ser invocado pelo Estado e por particulares para fundamentar pretensões junto aos órgãos jurisdicionais e, por fim, pautando a conduta de todos os membros da sociedade. Como parte da ordem interna, o descumprimento das normas do tratado enseja a possibilidade de sanções previstas no próprio Direito brasileiro.

Como parte de um ordenamento, o tratado é colocado em algum nível de hierarquia normativa, de acordo com o que cada Estado decida a respeito. No Brasil, o tratado recebe, em princípio, o status de lei ordinária. Há também a possibilidade de que seja conferido caráter de emenda constitucional às normas internacionais de direitos humanos, nos casos do art. 5º, § 3º, da CF. Existem também entendimentos de que os tratados de direitos humanos têm status supralegal ou mesmo constitucional.” [...].

Já a Convenção de Viena de 1969 consagrou a autoridade do tratado em face da lei nacional, fato facilmente comprovado quando em seu art. 27, determina que: “uma parte não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado.”

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), conjuntamente com o Ministério da Justiça, bem como o Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme noticiado recentemente por meio de meios de comunicação, têm discutido a necessidade da implantação da “audiência de custódia” no Brasil, cuja discussão já toma proporções em todo o território nacional, a exemplo do que ocorreu essa semana em Teresina no Piauí, por ocasião das visitas do diretor geral do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, Renato De Vitto, ao Sistema Prisional piauiense, em que conjuntamente com o secretário de Justiça, Daniel Oliveira, reuniram-se com o senhor corregedor do Tribunal de Justiça do Piauí, des. Sebastião Ribeiro Martins e outros magistrados para discutir a instalação da tão falada “audiência de custódia.”

A discussão foi amplamente realizada ainda na OAB-PI, por ocasião da visita da Comissão Nacional de Acompanhamento e Fiscalização do Sistema Carcerário (COASC) do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que realizaram audiência pública sobre o Sistema Penitenciário do Piauí, inclusive, após visitas a estabelecimentos penais, dentre outras situações nos estabelecimentos penais do Estado foi constatado o alto índice de presos provisórios, que ultrapassa a média nacional.

Não podemos regredir à intensa e crescente tendência de internacionalização do exercício dos direitos humanos, assim tem sido com o tratamento que o STF deu à prisão civil do depositário infiel, bem como ao cumprimento do princípio da presunção de não culpabilidade, dentre outros. Pois, na América Latina, países como Peru, México, Argentina, Chile e Colômbia já adotam a “audiência de custódia”, nesses países o cidadão que é levado à prisão tem que se apresentar num curto espaço de tempo ao juiz competente, o que em regra demora entre 24 e 36 horas.

Esse é mais um momento especial para se analisar o Direito Internacional dos Direitos Humanos face ao Direito Interno brasileiro e/ou à sua omissão no que diz respeito à audiência de custódia, levando-se em consideração o disposto no art. 5º, § 2º, da CRFB/1988, que literalmente assegura: “Os direitos e garantias previstos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” Tal dispositivo constitucional nos diz que o leque de direitos fundamentais não é exaustivo, porque amplia assim o rol dos direitos e garantias constitucionais por meio dos tratados em que o Brasil seja signatário.

Deve-se considerar então, as decisões análogas do Supremo Tribunal Federal (STF), em especial o Recurso Extraordinário nº 466.343-1/São Paulo em que foi Relator o ministro Cezar Peluso, nessa ocasião, pede-se vênia para transcrever parte do voto do ministro Gilmar Mendes:

[...]. “Assim, a premente necessidade de se dar efetividade à proteção dos direitos humanos nos planos interno e internacional torna imperiosa uma mudança de posição quanto ao papel dos tratados internacionais sobre direitos na ordem jurídica nacional. É necessário assumir uma postura jurisdicional mais adequada às realidades emergentes em âmbitos supranacionais, voltadas primordialmente à proteção do ser humano. [...].

De qualquer forma, o legislador constitucional não fica impedido de submeter o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica, além de outros tratados de direitos humanos, ao procedimento especial de aprovação previsto no art. 5º, § 3º, da Constituição, tal como definido pela EC n° 45/2004, conferindo-lhes status de emenda constitucional.”

Ademais, o entendimento do STF como se ver, vai ainda mais além do previsto para esses tratados de direitos humanos em discussão, que atualmente têm status supralegal no Brasil, mas podendo a critério do legislador brasileiro, submetê-los ao procedimento previsto no art. 5º, § 3º, da CRF/1988 em que diz: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que foram aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Com os mesmos argumentos constantes do voto do ministro Gilmar Mendes no Recurso Extraordinário nº 466.343-1, do STF, por tratar-se de situação, a nosso ver, análoga àquela que discutiu a prisão do depositário infiel, entendemos que a “audiência de custódia” está plenamente em harmonia com o ordenamento jurídico brasileiro, haja vista o que dispõem os Decretos oriundos da Presidência da República Federativa do Brasil anteriormente mencionados, que incorporaram ao Direito Público Interno o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).

Portanto, acreditamos que o Conselho Nacional de Justiça e o Ministério da Justiça têm toda garantia legal para implementar esse importante mecanismo denominado “audiência de custódia”, que, indubitavelmente colaborará para dentre outras coisas, reduzir a superlotação carcerária, a violação dos direitos fundamentais, o sofrimento dos encarcerados pelas razões já amplamente conhecidas no Sistema Prisional do país, a partir, inclusive, da morosidade relacionada ao preso encontrar-se com o juiz competente do seu processo. Contribuirá decisivamente para que os profissionais da segurança pública atuem de forma mais transparente e submetidos ao controle social mais eficaz, o que ajudará a esses profissionais a exigir e a receber uma melhor valorização no seu mister profissional, sem falar na redução do estresse dos agentes penitenciários principais executores da pena privativa de liberdade.

*Jacinto Teles Coutinho é especialista em Direito Público, Direito Penal, Agente Penitenciário, Conselheiro Penitenciário do Piauí (2005-2013), aprovado no V Exame Nacional da OAB (Direito Constitucional). Foi presidente da CDH da Câmara Municipal de Teresina (2004-2008). É Presidente licenciado da Associação Geral do Pessoal Penitenciário do Estado do Piauí (AGEPEN-PI). Exerce atualmente o cargo de Diretor da Academia/Escola de Formação Penitenciária da SEJUS/PI (ACADEPEN/PI).

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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