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Governo Federal é cobrado por plano contra avanço de óleo no litoral

Técnicos e especialistas veem falta de ação coordenada para rastrear deslocamento da mancha; ministério diz tomar medidas cabíveis e destaca ineditismo do problema.

A resposta do Governo Federal ao vazamento de óleo no Nordeste vem opondo, nas últimas semanas, Ministério Público, técnicos e cientistas ao Ministério do Meio Ambiente. O primeiro grupo têm alertado que não foi acionado um plano de contingenciamento que poderia ter acelerado a resposta ao desastre. Já governo federal diz tomar as providências cabíveis e destaca o ineditismo do problema. O poluente já foi achado em 187 pontos do litoral e as autoridades investigam a origem do material.

No País, existe o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional (PNC), estabelecido por decreto em 2013. Ele “fixa responsabilidades, estabelece estrutura organizacional e define diretrizes, procedimentos e ações, com o objetivo de permitir a atuação coordenada de órgãos da administração pública e entidades públicas e privadas para ampliar a capacidade de resposta em incidentes de poluição por óleo”.

Por lei, o responsável por acionar o plano é o ministro do Meio Ambiente. Ele é o coordenador do comitê executivo. Ao Estado, o ministro Ricardo Salles disse que o plano foi, sim, acionado desde o início de setembro e que todas as medidas previstas foram colocadas em andamento.

Nessa quinta-feira, 17, em audiência pública na Comissão de Meio Ambiente do Senado, o presidente do Ibama (órgão ligado à pasta do Ambiente), Eduardo Bim, também deu a mesma informação. Mas, quando os órgãos foram solicitados a enviar à reportagem ofícios ou portarias que indiquem o acionamento do PNC e a composição do Grupo de Acompanhamento e Avaliação, não houve resposta.

Conforme o Estado apurou, o comitê executivo, responsável por acionar o plano, foi extinto durante o “revogaço” de todos os conselhos feito pelo presidente Jair Bolsonaro no começo do ano. A área técnica do ministério chegou a produzir parecer reforçando a importância de se restituir a comissão, mas não foi atendido.

Mesmo sem o comitê, porém, a prerrogativa de acionamento cabe a Salles. A Associação de Servidores do MMA (Assemma) comentou que havia todo um arcabouço legal para responder de modo melhor ao desastre. Tanto o PNC quanto documentos relacionados a ele traziam, por exemplo, um manual de contingenciamento e de boas práticas de manejo de fauna oleada, que, segundo os técnicos ouvidos pelo Estado, não foram usados.

MPF aponta omissão de autoridades federais

Na audiência pública no Senado, o procurador da República no Rio Grande do Norte Victor Mariz questionou que, apesar de se perceber esforço de ação dos órgãos federais para tentar conter o desastre, monitorando as praias e fazendo ações de limpeza, isso não foi suficiente. “Os sinais indicam que não, porque as áreas mais sensíveis estão sendo atingidas."

Ele aponta que documentos importantes, como as cartas-sal, que são cartas de sensibilidade ao óleo, e o Mapeamento de Área para Resposta Emergencial no Mar (Marem), ferramentas para ajudar no contingenciamento do dano, não foram levadas em conta.

Na terça-feira, 15, o Ministério Público Federal na Bahia já tinha entrado com ação civil pública contra a União alegando “omissão contundente do Ibama, e consequente do Ministério do Meio Ambiente, que age de forma retardada, tão somente providenciando a mitigação do dano já existente”. O documento segue: “Nas reuniões diárias que se seguem do grupo de trabalho formado, nenhuma decisão acerca de implementação de medidas de proteção às áreas sensíveis foi tomada”.

Apesar de o governo dizer que o PNC foi posto em vigor, técnicos do ministério dizem que isso não ocorreu e que especialistas em gerenciamento costeiro, tanto da pasta quanto de universidades, não foram chamados para, de modo integrado, pensarem em soluções.

“A primeira atuação seria disparar ferramentas imediatas de mitigação, como retirada de óleo por sucção da superfície, uso de barragens de contenção ou de dispersante de óleo. Nada disso foi feito”, comenta Ronaldo Francini-Filho, biólogo, professor da Universidade Federal da Paraíba.

"Não houve medidas para tentar prever para onde as manchas iriam. Estamos falando do maior desastre do litoral do Brasil”, critica a oceanógrafa Yara Schaeffer-Novelli, professora sênior da Universidade de São Paulo (USP) e sócia do Instituto BiomaBrasil, .

Ela explica que, após um tempo do vazamento, o óleo vai perdendo a característica mais fluída e de fato afunda, movendo-se na sub-superfície, como alega o governo, o que torna difícil a visualização. “Mas as primeiras manchas, na fase aguda do vazamento, eram mais líquidas e flutuantes. Era mais fácil de ver por satélite ou aviões. A reação, porém, demorou demais”, diz.

O primeiro comunicado da Marinha sobre as manchas, por exemplo, é de 27 de setembro, sendo que a primeira notificação em praia na Paraíba foi de 30 de agosto.

“Para dar a resposta, tem de se pensar em ações que vão além das medidas do Ibama, que tem competência sobre a poluição. As instituições dos Estados, municípios se organizaram para dar a resposta, mas de modo individual, não organizado. Cada um fazendo de um jeito. Não se convocaram especialista para todos juntos pensarem na melhor resposta”, informou a Assemma ao Estado.

Plano foi criado para acidentes com causa determinada, diz ministro

Salles disse que “nada foi deixado para trás”. Mas afirmou ainda que o PNC “foi concebido para acidentes com causa determinada”, o que não é o caso do desastre atual. O presidente do Ibama também usou o mesmo argumento na audiência pública. “É tudo muito inédito. Tem soluções que não se aplicam. Fizemos modelagem, mas saber de antemão onde as manchas vão aparecer não é tão simples quanto parece. Não se consegue ter previsibilidade."

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