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Prefeito de Mongaguá defende lockdown e chora ao falar da morte do pai

Governante tem recebido ataques nas redes sociais por causa de medidas de restrição.

Após perder em uma semana o pai e o irmão por complicações da covid-19, o prefeito de Mongaguá, Márcio Melo Gomes (Republicanos), fez uma transmissão ao vivo, na tarde desta terça-feira, 30, para responder aos ataques que vinha sofrendo por ter adotado medidas mais duras de isolamento social. De uma família de comerciantes, o prefeito emocionou quem o assistia ao afirmar que preferia ouvir do pai e do irmão que o comércio deles havia quebrado do que chorar a morte deles. “Porque nós já quebramos e, com a vida, conseguimos dar a volta por cima. Infelizmente, por essa doença, eles perderam a vida”, disse, chorando.

Ao Estadão, o prefeito disse que, mesmo sob a forte emoção pelas duas mortes seguidas, decidiu fazer a live. “Evitei ao máximo, porque meu pai havia ficado internado 14 dias e faleceu na segunda-feira passada. A gente tinha a missão de não deixar vazar (a morte do pai), pois meu irmão estava internado, com o celular na mão e apresentando alguma melhora. Mas era ter feito já no domingo, pois estávamos com a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) lotada, com 22 pacientes graves, muitos deles intubados, e outros à espera de transferência. Aí veio o segundo baque, com a morte de meu irmão. Eu estava exausto e, mesmo destruído por dentro, acabei colocando para fora os sentimentos aflorados. Precisava dar uma resposta para a população.”

O prefeito e sua família vivem do comércio, mas ele não viu outra medida senão restringir atividades comerciais para reduzir a transmissão do vírus. As lojas estão fechadas e os mercados funcionam de segunda a sexta-feira. Na live, o prefeito falaria sobre uma lei que prevê multa de R$ 200 para quem for flagrado sem máscara. Com a dor da perda dos familiares, acabou mudando o discurso e adotando um tom emocionado. “A minha família vive do comércio, eu estou no comércio desde os 9 anos, quando acompanhava meu pai ao açougue dele. No comércio, a gente quebra, mas se levanta. E na morte, quem pode dar jeito?”, perguntou ao repórter.

Gomes criticou a “falta de consciência” de parte da população que desrespeitava as medidas restritivas e pedia a abertura do comércio. “Vi algumas pessoas ligadas a academias e ao comércio dizendo que o prefeito vai fechar o comércio, que o prefeito vai quebrar a cidade. Em todo esse ano, tudo o que pude fazer para conciliar as duas coisas, para proteger o cidadão de Mongaguá e o comércio tentar sobreviver, vocês podem dizer que fiz o máximo que pude.”

O pai do prefeito, Givaldo Gomes, de 64 anos, estava internado no Hospital Regional de Itanhaém e morreu no último dia 22. Já o irmão dele, Givaldo Gomes Junior, tinha 33 anos e apresentou sintomas da covid logo após a internação do pai. Seu quadro piorou, ele foi internado na Santa Casa de Santos, mas não se recuperou e morreu na madrugada de domingo, 28. Na live, ele lembrou que o comércio pode ser recuperado, mas a morte não tem reparação. “Como eu queria hoje, com a minha família inteira sendo do comércio, sair dessa live e escutar do meu pai e do meu irmão assim: ‘Eu quebrei, o meu comércio quebrou’”, disse, lembrando que eles já não estão entre os seus entes queridos.

Gomes prosseguiu, lembrando que as medidas tinham sido adotadas para preservar vidas. “Não existe nada mais precioso do que a vida de vocês. Mas principalmente de quem vocês amam. Eu não quero que ninguém quebre. Mas como eu queria ouvir agora do meu pai e do meu irmão — um menino de 33 anos de idade que deixou duas filhas e uma mulher –, como eu queria poder escutar isso deles quando acabar essa live”, afirmou o prefeito.

Nesta quarta, 31, o prefeito não deu expediente na prefeitura, cumprindo o luto em sua casa, mas não conseguiu descansar. Ele disse ter recebido muitas mensagens e manifestações de pessoas de Mongaguá e de outras cidades. “Não consegui responder a todas. Deixo claro que não fiz isso para viralizar, o que quis deixar claro é que o importante nesse momento é se cuidar e cuidar do próximo, para que não aconteça o que aconteceu com a minha família. Meu desejo é que ninguém mais passe por isso.”

Ele disse que não conseguiu ver o vídeo todo depois. “Fico mal vendo de novo, mas percebo que muitas pessoas se comoveram, inclusive algumas que tinham pensamentos contrários aos meus. É tudo muito doloroso, mas preciso continuar a minha missão. Tenho dois filhos, minha mãe, e agora os filhos do meu irmão para cuidar. Mas não posso me esquecer que sou o prefeito de 56 mil cidadãos de Mongaguá.”

O prefeito lembrou que seu pai e seu irmão eram saudáveis e tinham vigor físico, o que fez a morte deles causar ainda mais impacto na família. “A gente percebe, e queria que as pessoas também entendessem, que ninguém está livre, que a doença está mais perto do que a gente imagina. O trabalho é importante, todo mundo tem o direito de trabalhar para não passar necessidade. Mas agora o momento é de se cuidar.”

Com 56 mil habitantes, a cidade do litoral sul de São Paulo chega a receber quatro vezes sua população em feriados prolongados e no alto verão. Como outros municípios da Baixada Santista, a cidade adotou uma espécie de lockdown recomendado pelo conselho de desenvolvimento da região. Gomes lamentou a decisão que a decretação dos feriados na capital paulista tenha levado milhares de paulistanos a procurarem o litoral. “São Paulo fica muito perto e as pessoas vêm, trazendo o vírus para cá, ou levando com eles. Isso só piorou a situação.”

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