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Quase metade dos adolescentes no Brasil têm conta no TikTok

Especialistas já analisam os efeitos sobre dependência e capacidade de concentração.

Os vídeos são curtos mas, como surgem um atrás do outro na tela, fazem com que muitos não desgrudem do celular. Dados da mais recente pesquisa TIC Domicílios mostram que 46% dos adolescentes brasileiros de 10 a 17 anos já têm uma conta no TikTok. Os especialistas concordam que os clipes de poucos segundos são uma tendência entre os mais novos, mas os efeitos futuros dessas pílulas audiovisuais na saúde e na educação dos jovens ainda são um enigma.

O modelo opera para tornar as mídias sociais irresistíveis. Funciona como uma máquina de caça-níqueis, comparam especialistas. A cada novo vídeo, é como se a alavanca da máquina fosse acionada: a expectativa pela recompensa é o que mantém a conexão.

A TIC Domicílios, pesquisa realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), divulgou em novembro os dados de 2020. A proporção de usuários do TikTok é bem maior do que os que possuem perfil no Twitter (14%), uma rede social essencialmente de textos. WhatsApp (86%) e Facebook (61%) ainda são as plataformas em que os jovens mais têm contas, mas o Instagram e o TikTok estão entre as mais acessadas.

Em dois minutos, é possível assistir a até dez vídeos e as gravações aparecem em sequência, sem precisar de um clique. “Essa interação não depende de um dispêndio de foco atencional razoável”, diz Leonardo Goldberg, psicanalista e doutor em Psicologia, para quem o TikTok é “a Galinha Pintadinha dos adolescentes”. “Tenho pacientes adolescentes que dizem se sentir quase obrigados. Algo da estrutura convoca a rolar a tela sem parar”, completa ele, autor de dois livros sobre tecnologia e redes sociais. “O TikTok chega com proposta extremamente curta, de redução da linguagem a um nível quase mínimo. Tenho a impressão de que isso tem a ver com uma espécie de preguiça do telespectador.”

A comerciante Gabriella Borges, de 34 anos, criou uma conta no TikTok para conhecer a plataforma que a filha Luiza, de 13, já frequentava. Hoje, evita acessar. “Toma muito tempo, você vai girando o dedo na tela e, quando vê, perdeu o foco do que tinha de fazer”, diz a mãe. No caso de Luiza, o TikTok é acessado algumas vezes ao dia, para ver vídeos de humor e dancinhas – ao todo, ela calcula que gasta uma hora na rede. A menina gosta de ler e assistir a filmes, mas esses já podem parecer longos demais. “Canso um pouco, paro, mexo no celular, volto a assistir.”

Para Anna Bentes, pesquisadora e doutoranda em Comunicação e Cultura da Universidade Federal do Rio (UFRJ), os vídeos curtos atendem a um modelo de vida contemporânea acelerada, sem tempo para nada e cheio de tarefas. “Vem com o discurso de algo que possibilita tanto produzir de forma mais rápida, mas também consumir em curto período de tempo”, diz. “Isso é vantajoso para a plataforma porque quanto mais conteúdo o usuário assiste, mais ela conhece o gosto da pessoa – e mais (a rede) consegue intercalar anúncios”, diz ela, que pesquisa a forma como opera a economia da atenção nas redes. "Se você vê vídeos curtos, pode ver mais vídeos. E essa sensação mantém o usuário enganchado.”

Para a pesquisadora, a variabilidade entre conteúdos muito atraentes e não tão interessantes é o que ajuda a manter a conexão. A “graça” está justamente em descobrir qual a próxima recompensa. A dificuldade que adultos têm em colocar limites ao próprio acesso é potencializada entre crianças e jovens. O avanço no uso de redes sociais – não só o TikTok – tem levado a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) a emitir alertas contra abusos e dependência. Na pandemia, a preocupação aumentou por causa do isolamento social. Documento da entidade fala em “profusão dos estímulos visuais, auditivos, luminosos, movimentos acelerados no deslizar do toque de teclados ou deslizar dos dedos nos celulares”.

Também há preocupação com o conteúdo acessado nas plataformas, como vídeos com violência e sexualização. As plataformas dizem ter mecanismos para restringir e banir conteúdos inadequados.

“Na época em que se ia ao cinema, eram duas horas de filme. As pessoas saíam e iam conversar sobre o filme. Hoje, a aceleração, a rapidez da imagem é tal que essas crianças têm tecnoestresse, exaustão de imagens, e por isso não se concentram”, diz Evelyn Eisenstein, coordenadora do grupo de trabalho de saúde digital da SBP.

Ao contrário do que se pode pensar, a destreza dos mais novos com os celulares nem sempre é sinal de mais inteligência e habilidades. Em 2019, um estudo publicado na Nature Communications descobriu que nossa atenção coletiva está de fato se estreitando – a pesquisa analisou os picos de atenção no Twitter e outros produtos culturais. O fenômeno ocorre não apenas nas mídias sociais, mas em outros domínios como livros e filmes. Até nas músicas essa velocidade se manifesta. Ouvintes que cresceram com o streaming não ouvem, segundo as próprias plataformas, músicas com mais do que 2 minutos e 30 segundos.

Apesar da adesão à rede pelas crianças e adolescentes mais novos, os termos de uso do TikTok dizem que os serviços e a plataforma “destinam-se apenas a pessoas com 13 anos de idade ou mais”. A confirmação ocorre por autodeclaração. “Se chegar ao nosso conhecimento que alguma pessoa com idade inferior à idade mínima estabelecida acima está utilizando os serviços, encerraremos a conta do usuário em questão.”

“Caso realize o seu cadastro por meio de terceiros ou com informações falsas, a sua conta é deletada, de acordo com nosso termo de serviço”, disse o aplicativo, em nota. Apenas no segundo trimestre do ano passado, 11.205.597 contas foram removidas por suspeita de serem de pessoas com menos de 13 anos – menos de 1% de todas as contas no TikTok.

Em 2020, a rede chinesa alcançou a primeira posição entre os apps com mais downloads, ultrapassando o WhatsApp e o Facebook, segundo relatório da plataforma App Annie, que rastreia o mercado de aplicativos. A liderança foi mantida em 2021 – em setembro, a plataforma chegou à marca de 1 bilhão de usuários ativos por mês. O tempo médio gasto por usuário no TikToksuperou o YouTube em mercados-chave como Estados Unidos e Reino Unido.

E Outras plataformas parecem ter entendido o potencial das produções de poucos segundos. “Os vídeos curtos são o futuro do entretenimento”, afirmou em nota o Instagram, que começou em 2010 como um aplicativo de fotos quadradas. Dez anos depois, lançou o Reels, para criar vídeos de até 60 segundos que hoje representa “parte significativa da experiência das pessoas”.

Até o YouTube se rendeu. Em 2021, lançou a funcionalidade YouTube Shorts, para produzir e assistir a vídeos de até um minuto. O formato está em mais de cem países e alcançou 15 bilhões de visualizações diárias em julho de 2021. Um fundo de US$ 100 milhões (R$ 563 milhões) será distribuído até o fim de 2022 aos criadores de conteúdos curtos.

Pouco espaço para reflexões

Para Cristiano Nabuco, especialista em uso abusivo de tecnologia, as plataformas deixam pouco espaço para refletir. “Quanto mais se exerce a perspectiva de usar a tela de forma rápida e telegráfica, menos se exercitam atividades mentais que envolvam o processamento de longo prazo, mais profundo, a ancoragem de memórias”, diz ele, do Instituto de Psiquiatria da USP.

Outro problema é a “generosidade” na distribuição dos conteúdos produzidos na rede social. Se no Instagram ainda há a lógica de conquistar seguidores ao longo do tempo, vídeos de anônimos no TikTok, feitos em casa, podem alcançar milhares de visualizações de uma hora para outra. Aconteceu com Gabriella, quando ela gravou um clipe de dez segundos, em tom de brincadeira, sobre o azar de perder os cílios postiços. O vídeo teve 3,7 milhões de visualizações. “É um ambiente hipervalorizado, magnificado e, quanto mais as redes usam desses recursos, mais descolam o indivíduo da vida real”, aponta Nabuco. “Ninguém jamais seria tão aceito ou ovacionado (fora das redes). Entramos num grau de reforçamento pessoal e cerebral que inexiste a não ser que você seja uma celebridade.”

Por nota, o TikTok lembra que tem mecanismo de gerenciamento do tempo de tela, em que é possível controlar quantos minutos o jovem pode gastar no TikTok por dia. Também diz ter feito parceria com criadores de conteúdo para vídeos informativos. “Esses vídeos divertidos usam tom otimista e oferecem uma sugestão para fazer uma pausa e praticar uma atividade offline, como ler um livro.”

“No início de 2020, lançamos a Sincronização Familiar, ferramenta que permite que pais e adolescentes personalizem suas configurações de segurança com base em necessidades individuais”, continua. Um dos recursos é o gerenciamento do tempo de tela, onde é possível controlar quanto tempo se gasta no TikTok.”

Disse ainda que escolheu “classificação de maiores de 12 anos” nas lojas da Apple Store e Google Play. O iOS e o Android “fornecem controles parentais que permitem aos pais bloquear ou limitar aplicativos específicos, recursos, filmes, música e muito mais.

DICAS

Tempo: Estabeleça regras e horários para equilibrar plataformas digitais com as outras atividades. A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda tempo de tela máximo de 2 horas por dia dos 6 aos 10 anos.

Vida lá fora: Para reduzir o contato com as telas, é bom oferecer como alternativas atividades esportivas, exercícios ao ar livre ou contato direto com natureza.

Limites: Os pais podem usar ferramentas de controle das próprias redes para aumentar a segurança das crianças e evitar conteúdos inapropriados.

Diálogo: Apesar de existirem ferramentas para controlar o acesso, as tecnologias mais avançadas para proteger crianças e adolescentes em qualquer espaço continuam sendo diálogo e orientação, afirma a SaferNet. Converse com o seu filho sobre a vida digital, tire dúvidas e conheça as plataformas que acessam.

Oportunidades: As redes sociais também podem ser espaços para exercitar a criatividade e a conexão saudável com outras pessoas. Incentive esse tipo de uso.

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