A Controladoria-Geral da União (CGU) retirou o sigilo do relatório de descontos não autorizados de benefícios de aposentados e pensionistas do INSS. No documento constam os principais pontos do relatório concluído em setembro de 2024 e publicado após a deflagração da Operação Sem Desconto, da Polícia Federal.
De acordo com a CGU, quase R$ 8 bilhões foram retirados dos pagamentos a beneficiários e repassados a entidades privadas entre 2016 e 2024, grande parte sem a devida autorização. Os valores descontados de aposentados e pensionistas eram repassados a associações que supostamente prestavam serviços aos beneficiários – como assistência jurídica, descontos em redes de farmácias, cobertura para exames médicos, serviços residenciais e auxílio-funeral.
No entanto, a investigação da CGU concluiu que, após quase 1,3 mil entrevistas com aposentados e pensionistas de todo o país, a CGU constatou que a maioria deles não era filiada a tais entidades e não tinha autorizado qualquer débito, destes somente 52 estavam filiados a uma das entidades e 31 autorizaram o desconto.
Mesmo na análise de um subgrupo de 90 aposentados e pensionistas para os quais as entidades apresentaram documentação ao INSS, 81,1% negaram ter autorizado o desconto e 80% negaram filiação. Para a CGU, isso releva que as assinaturas podem ter sido recolhidas sem que o beneficiário conhecesse sua finalidade, ou mesmo que as documentações tenham sido fraudadas.
Descontos quintuplicaram em três anos
A Controladoria-Geral da União (CGU) realizou uma auditoria devido ao rápido crescimento nos descontos de mensalidades associativas, que quase chegaram a triplicar em dois anos, passando de R$ 536,3 milhões em 2021 para R$ 1,3 bilhão em 2023.
De acordo com o relatório, havia a previsão de que o montante descontado em 2024 alcançasse R$ 2,6 bilhões. Contudo, após a Operação Sem Desconto, foi divulgado, em coletiva de imprensa, um valor ainda maior: R$ 2,8 bilhões no ano passado.
Isso significa que, em um período de três anos (2021-2024), o total descontado de beneficiários do INSS quintuplicou. Os dados da CGU apontam que, antes disso, os débitos apresentavam uma estabilidade maior: entre 2016 e 2021, os valores anuais variaram entre R$ 400 milhões e R$ 600 milhões.
Outro dado que registrou um aumento significativo foi o número de pedidos de cancelamento de débitos, que subiu de 22 mil em julho de 2023 para 192 mil em abril de 2024.
A CGU também informou os números de entidades conveniadas ao INSS e os totais descontados de aposentados e pensionistas desde 2016:
2016: 15 entidades conveniadas, R$ 413,2 milhões descontados
2017: 22 entidades, R$ 460 milhões
2018: 20 entidades, R$ 617 milhões
2019: 21 entidades, R$ 605 milhões
2020: 19 entidades, R$ 511 milhões
2021: 15 entidades, R$ 536 milhões
2022: 22 entidades, R$ 706 milhões
2023: 27 entidades, R$ 1,3 bilhão
2024: 33 entidades, R$ 2,8 bilhões
Bloquear o débito era burocrático, já o desconto...
"Ante as fragilidades de controle identificadas, os resultados sinalizam que os beneficiários encontram mais dificuldades para bloquear os descontos do que as entidades para implementá-los, indicando fragilidade na proteção dos direitos dos beneficiários", diz o relatório.
O relatório destacou ainda que não bastava ao beneficiário solicitar o cancelamento do desconto, era necessário fazer novo requerimento para que o benefício fosse bloqueado para novos descontos.
Principais falhas detectadas nos controles do INSS
- ausência de fiscalização e auditoria adequada dos procedimentos de desconto;
- fragilidade nos procedimentos de celebração de Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) com as entidades, que não asseguram a integridade dos procedimentos adotados por elas. O INSS chegou a alegar que exigir demonstração de capacidade operacional das entidades infringe a liberdade de associação;
- não arquivamento ou ausência de validação da documentação de autorização apresentada pelas entidades em ambiente acessível ao INSS;
- reduzida equipe técnica para atuar no processo de acompanhamento e controle desses descontos;
- fragilidades relacionadas à inclusão desses descontos na folha de pagamento do INSS. Os descontos podiam ser realizados pelas entidades "sem qualquer tipo de análise por um servidor do INSS";
- digitalização de serviços do INSS sem o devido aperfeiçoamento dos controles internos, o que elevou os riscos de descontos indevidos;
- dificuldades impostas aos beneficiários para identificar os descontos, já que o extrato de pagamento não é mais enviado impresso e requer acesso ao aplicativo ou site Meu INSS ou visita a agência da Previdência Social. Dos entrevistados, 72,4% declararam não saber que estavam sofrendo descontos mensais;
- dificuldades impostas aos beneficiários para utilizar as ferramentas digitais (como o Meu INSS), limitando sua capacidade de identificar e cancelar descontos indevidos. Uma parcela significativa dos entrevistados desconhecia (42,4%) ou nunca utilizou (25,1%) o aplicativo Meu INSS;
- dificuldades enfrentadas pelos beneficiários para solicitar o cancelamento de um desconto indevido, incluindo requisitos (nível ouro no gov.br, número do benefício, nome da entidade) e informações incorretas (como ser orientado a procurar a entidade que recebeu o dinheiro);
- necessidade de um novo requerimento para bloquear o benefício para novos descontos após solicitar o cancelamento, algo que menos da metade dos beneficiários que cancelaram fizeram;
- ocorrência de novos descontos sendo inseridos após um pedido de cancelamento de um desconto anterior;
- assinatura de novos ACTs após a suspensão de repasses ocorrida em 2019 e apesar do conhecimento sobre denúncias recorrentes e falta de capacidade operacional para acompanhamento;
- limitação na adoção de medidas cautelares (como suspensão de descontos e avaliação da adequação) frente ao aumento acentuado dos requerimentos de cancelamento, suspendendo novas adesões apenas para algumas entidades e por curto período;
- falta de informações detalhadas sobre providências para revalidar ou validar a autorização dos descontos já existentes (um "estoque" de cerca de 7,7 milhões de beneficiários), ou para suspender cautelarmente esses descontos ou apurar irregularidades já comunicadas.
INSS afirmou que está melhorando e controles dos descontos
O INSS, em manifestação à CGU, informou que já estava em curso "um pleno processo institucional de revisão e robustecimento dos fluxos e controles dos descontos associativos, viabilizado com o lastro normativo da publicação da Instrução Normativa PRES/INSS nº 162, de 14 de março de 2024".
Segundo o relatório, o órgão apresentou medidas já adotadas ou previstas, como:
- a exclusão e criação de trava para não permitir averbação em benefícios não elegíveis (implementada em 10/04/2024);
- suspensão cautelar de novas inclusões/adesões (implementada em 20/04/2024);
- bloqueio geral de benefícios concedidos antes de 09/2021 (implementada em 16/05/2024) em 129.197.135 benefícios;
- limitação de todos os descontos associativos a 1% do teto do RGPS (cadastrada em 19/07/2024, prevista para folha de 09/2024);
- exclusão de descontos apontados pela CGU (Implementada em 25/07/2024);
- futura entrada em funcionamento do sistema de biometria da Dataprev (Prevista para 09/2024). O INSS argumentou que a exigência de assinatura eletrônica avançada e biometria para novas autorizações "tem o condão de prover um elevado nível de confiabilidade técnica às novas averbações".
A CGU ressaltou ainda a falta de informações detalhadas sobre as providências a serem adotadas para a revalidação da autorização dos descontos anteriormente implementados ou a validação da documentação porventura existente e que suporte esses descontos – o que afeta cerca de 7,7 milhões de beneficiários.
Segundo o relatório, tampouco foram apresentadas informações acerca de eventual suspensão cautelar dos débitos em relação aos benefícios que compõem o denominado "estoque" ou iniciativas para apuração das irregularidades já comunicadas ao INSS.
A CGU reitera, no texto, a importância de o INSS definir parâmetros adequados e suficientes para garantir a existência de documentação suporte e a "fidedignidade das autorizações que teriam permitido consignações pretéritas à implementação de biometria".
A controladoria também discorda da alegação do INSS de que exigir demonstração de capacidade operacional das entidades infringe a liberdade de associação, citando a Lei nº 13.019/2014, que regula parcerias da administração pública com a sociedade civil e prevê tal exigência em seu art. 33, inciso V, alínea c.
CGU fez recomendações ao INSS
Diante da "criticidade da situação" revelada pelos resultados das entrevistas, a CGU fez uma série de recomendações, incluindo:
- o bloqueio cautelar e imediato de novos descontos associativos;
- o aprimoramento de procedimentos de formalização, acompanhamento da execução, suspensão e cancelamento de ACT com entrevistas amostrais e cancelamento automático para quem não autorizou;
- a avaliação da pertinência de suspensão cautelar de descontos de mensalidades associativas de entidades que apresentaram elevados riscos de descontos indevidos;
- a definição de procedimentos para a suspensão e/ou o cancelamento de ACT a partir de critérios de risco; e
- a necessidade de validar a autorização dos beneficiários, inclusive para o "estoque" existente.
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