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Política

Abin orientou Flávio Bolsonaro a agir em inquérito das ‘rachadinhas’

Cúpula da Agência de Inteligência enviou por escrito dicas de como senador deve proceder na investigação.

A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) encaminhou orientações por escrito a advogados do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, sobre como agir para tentar inocentá-lo no caso das rachadinhas. A informação foi revelada pela revista Época e confirmada pelo Estadão.

As orientações foram repassadas por integrantes da cúpula da Abin para a defesa do senador pelo WhatsApp. São dois textos digitados diretamente no aplicativo e não compartilhados como relatórios de inteligência em arquivo timbrado da Abin ou papel digitalizado.

Procurado pelo Estadão, a Abin não se manifestou sobre o caso. Por sua vez, a advogada Luciana Pires, que representa o senador, afirmou que não vai mais se pronunciar. À revista, a defesa de Flávio confirmou a autenticidade e a procedência da orientação da Abin.

Um dos memorandos, estruturado com “finalidades” e “linhas de ação”, informa que o objetivo proposto é: “Defender FB (Flávio Bolsonaro) no caso Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) demonstrando a nulidade processual resultante de acessos imotivados aos dados fiscais de FB”, segundo a revista.

A defesa é aconselhada a buscar a demissão de servidores no governo e a requisitar dados no Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), inclusive por meio da Lei de Acesso à Informação. Numa sequência de ações, sugere-se a busca de acesso a dados de uma “apuração especial” no âmbito do Serpro, para garantir registros de acesso a dados fiscais na Receita.

Em outro trecho da mensagem, uma advogada de Flávio é aconselhada a conseguir uma audiência para “tomar um cafezinho” com o chefe da Receita Federal do Brasil (RFB), José Tostes Neto. Ela deveria, então, exigir de Tostes informações e avisar que ajuizaria uma ação para obter acesso a relatórios internos da Receita que, no entendimento da defesa, teriam potencial de demonstrar acessos anteriores indevidos aos dados do senador – “arapongagem”.

A defesa de Flávio recorreu ao governo para tentar obter subsídios que provariam uma suposta irregularidade de servidores da Receita na obtenção de dados do filho do presidente, e, assim, invalidar as provas. Como o Estadão revelou em 2018, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou movimentações milionárias atípicas em contas do ex-policial militar Fabrício Queiroz, pivô do esquema de rachadinhas no gabinete de Flávio quando era deputado estadual.

Com objetivo de provar essa narrativa, houve uma reunião prévia, em agosto, entre defensores do senador e o diretor-geral da Abin, o delegado da Polícia Federal Alexandre Ramagem, e o ministro Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), pasta da Presidência ao qual a agência é vinculada. O encontro ocorreu no Palácio do Planalto. A troca de mensagens com aconselhamento seria então um desdobramento daquela reunião.

Nesta sexta-feira, 11, o GSI disse que após ouvir os apelos dos defensores de Flávio, “não realizou qualquer ação decorrente, por entender que, dentro das suas atribuições legais, não lhe competia qualquer providência a respeito do tema”. A linha do GSI vai exatamente em cima do fato de a orientação dada à defesa não ter sido um documento formal da agência. “As acusações são desprovidas de veracidade, se valem de falsas narrativas e abordam supostos documentos, que não foram produzidos pela agência”, afirma a pasta.

O caso provocou reações de insatisfação entre associações de servidores da Abin. A ala dos oficiais e agentes de carreira vive um desconforto com ações supostamente atribuídas a servidores de fora, nomeados por Ramagem. O delegado era chefe da segurança de Bolsonaro em 2018 e ganhou intimidade com os filhos do presidente, com quem costuma confraternizar. Ele foi pivô da crise que culminou com a saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça. Bolsonaro queria emplacar Ramagem no comando da PF, o que o ex-juiz da Lava Jato considerou uma interferência para influenciar nas investigações contra filhos do presidente.

Nos bastidores, porém, dirigentes admitiram que não têm como refutar que de fato houve uma orientação à defesa de Flávio. Isso porque as missões dentro da agência são compartimentadas, para garantir o sigilo. A insatisfação é mais nova entre o corpo de servidores recém-concursado, que receia manchas na imagem pública da instituição a que servem. Ouvido sob condição de anonimato, um servidor de carreira que integrou a direção da agência no passado afirma que o problema vem da insistência em se nomear policiais em órgãos de inteligência. Outro afirma que o grupo da PF controla a agência.

A nomeação de um delegado da PF para dirigir a Abin causou insatisfação desde a escolha de Ramagem, em 2019. A agência passava por reestruturação e vinha sendo comandada por nomes da própria carreira. A volta de um delegado no governo Bolsonaro reproduziu o que ocorreu no governo Luiz Inácio Lula da Silva, quando o delegado Paulo Lacerda era o diretor-geral. A gestão dele ficou marcada pelo envolvimento de espiões em grampos da Operação Satiagraha.

Bolsonaro visitou a sede da Abin nesta semana. Acompanhado de Ramagem e Heleno, disse aos oficiais da agência que o “fluxo de informações é muito importante e alimenta a tomada de decisões acertadas no futuro”. O presidente já fez reclamações sobre o funcionamento do sistema de inteligência federal. Na reunião ministerial de 22 de abril, que veio a público a mando do Supremo Tribunal Federal pela suspeita de que tenha tentado interferir na Polícia Federal, o presidente reclama que somente o seu “sistema particular” de inteligência funcionava. A Procuradoria-Geral da República, que possui uma apuração preliminar sobre o caso, disse que juntou as novas informações. Parlamentares de oposição prometeram voltar a provocar a PGR a agir.

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